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O Relatório de Segurança Interna de 2007 aponta para uma estagnação das queixas registadas e uma queda da criminalidade violenta.
Mas os números mascaram a realidade e por isso o MAI quer fazer um Inquérito Nacional de Vitimação.
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O Governo vai fazer um inquérito nacional para avaliar o sentimento de insegurança das pessoas e vítimas de crimes. Este Inquérito Nacional de Vitimação pretende também aproximar os números da criminalidade reportada, aquela que é alvo de queixa por parte do cidadão, aos da criminalidade que não é informada às forças policiais. A esses números chamam-se “cifras negras” e normalmente são muito superiores aos índices anuais de criminalidade.
“Sabemos que há uma percentagem muito grande de crime em que, dizem os estudiosos desta matéria, mais de 50 por cento desta criminalidade não é reportada”, adiantou o general Leonel Carvalho, responsável pelo Gabinete Coordenador de Segurança (GCS), que todos os anos tem a incumbência de realizar o Relatório de Segurança Interna.
O relatório referente ao ano passado será divulgado amanhã, na Assembleia da República, e apresenta, como dados mais significativos, a manutenção dos níveis de criminalidade – foram registados apenas mais 526 casos em todas das forças de segurança – e uma descida acentuada, menos 10,5 por cento, da criminalidade violenta e grave.
O Inquérito Nacional de Vitimação, revelou o Ministério da Administração Interna (MAI), é uma parceria entre o MAI, o Ministério da Justiça, a APAV – Associação Portuguesa de Apoio à Vitima, será liderado pelo Instituto Nacional de Estatística e pretende ter o apoio financeiro do Eurostat, o organismo estatístico da União Europeia.
Autor de vários estudos sobre vitimação, sobretudo no Grande Porto, o psicólogo José Luis Fernandes mostrou a sua satisfação em saber que o Governo vai avançar com o inquérito.
Tenho criticado várias vezes os governos por não fazerem estes inquéritos, porque aquilo que se sabe sobre o sentimento de insegurança, sobre as vítimas, é baseado apenas na criminalidade registada, baseia-se apenas nos relatórios de segurança interna. E quando se diz que Portugal é um país com baixa criminalidade é preciso saber do que é que estamos verdadeiramente a falar”, referiu o professor da Faculdade de Psicologia da Universidade do Porto.
José Luis Fernandes salientou que o Inquérito Nacional de Vitimação, para ter validade, terá que seguir a fórmula dos inquéritos que já existem noutros países da União Europeia, para poder ser comparado. “Deveria ser um instrumento realizado de três em três anos, e seguir os inquéritos que já existem em circulação, de modo permanente”, assegurou.
Todavia, entre os parceiros do inquérito, ninguém mostrou disponibilidade para falar sobre o estudo, que o MAI espera ver concluído no primeiro trimestre do próximo ano. A entidade responsável pelo Inquérito Nacional de Vitimação, o INE, não forneceu informação em tempo útil; a APAV recusou comentar, por ser apenas um parceiro do projecto. De resto, a estrutura do INE tem prevista a realização desse inquérito apenas em 2010 e a apresentação de uma candidatura ao Eurostat obriga a um procedimento moroso e burocrático, que dificilmente estará concluído no final deste ano.
Mesmo assim, fonte do Ministério da Administração Interna afirmou ontem que se nenhum dos parceiros conseguir efectuar o estudo, a própria estrutura do MAI encarrega-se da sua realização. “A realização deste inquérito é um objectivo para 2008”, afirmou a mesma fonte.
As principais questões que deverão ser abordadas no inquérito são os elementos caracterizadores do entrevistado e o seu contexto familiar; o sentimento de segurança e preocupações com a criminalidade; o historial da vítima e caracterização dos casos ocorridos; outras situações de vitimação e outros aspectos relacionados com segurança; e a violência, incluindo a violência interpessoal em contexto doméstico e a violência no exterior, incluindo a violência sexual.
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Números e realidade:
Saber quem são as vítimas de crimes e se apresentaram queixa às autoridades será informação crucial no combate à criminalidade.
O Relatório de Segurança Interna 2007 afirma isso mesmo, apresenta-se como um repositório das acções desenvolvidas por todas as forças policiais em que o dado mais importante, acaba por ser a contabilidade de todos os crimes que foram reportados nesse ano às autoridades. Nesse aspecto, as noticias são boas: foram participados 391.611 crimes à GNR, PSP e PJ, apenas mais 526 que no ano de 2006.
Regista-se, pois, uma tendência de estagnação na criminalidade que, no entanto, não traduz a realidade, como aliás assume o próprio Gabinete Coordenador de Segurança. “É um relatório, e como tal, reporta, não deve perspectivar para além daquilo que deve ser feito”, refere o general Leonel Carvalho, que acrescenta que “é um documento passível de melhoria, mas creio que já corresponde à sua finalidade, é um reportório muito grande com toda a criminalidade, além disso, faz uma análise quer no aspecto global, quer nas apreciações sectoriais das forças e serviços de segurança e por isso parece-me que é um documento muito útil em termos de definição de políticas internas das forças de segurança”.
A Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, da Assembleia da República, que analisou o documento de 350 páginas, faz a seguinte reflexão: “O presente relatório, tal como os anteriores, faz uma compilação estatística dos crimes enquadrando-os qualitativamente na tipificação legalmente prevista. Não sendo uma crítica, mas antes uma reflexão, tendo em consideração a assumida – e notória – alteração da complexidade criminal a que temos assistido nos últimos tempos, em nossa opinião, o relatório deveria abordar este fenómeno de uma forma mais detalhada”.
O fenómeno a que se referem os deputados é a “frequente discrepância entre os números e a tendência evolutiva da criminalidade participada” e os “índices do sentimento de insegurança de uma sociedade”.
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"Carjacking":
Não existindo dados que permitam avaliar o sentimento de insegurança da população, é possível, no entanto, inferir que a forte mediatização do fenómeno do “carjacking” – palavra que é referenciada pela primeira vez num relatório de segurança interna – tem contribuído para o aumento desse receio.
“O sentimento de insegurança tem a ver com a criminalidade violenta e grave”, explica Leonel Carvalho. Isto apesar dos crimes violentos terem diminuído em 2007.
“As pessoas chegam à conclusão que não vale a pena sequer o incómodo [de fazer a queixa] face aos ganhos ou objectivos que iriam conseguir. Uma pessoa que é vítima de injúrias, que é vítima de uma agressão simples, que é vítima de um furto simples, a maior parte das vezes não vai reportar à polícia porque entende que não vale a pena”, explicou o general.
A intenção do Governo em fazer o Inquérito Nacional de Vitimação inscreve-se na estratégia de segurança para 2008, apresentada pelo ministro da Administração Interna Rui Pereira. Entre os objectivos dessa estratégia conta-se o reforço policial, com a abertura de concursos para mil novos agentes para a PSP e para a GNR, a criação de sete novas carreiras de tiro e distribuição de nove mil armas, a criação de planos de intervenção para zonas problemáticas, o desenvolvimento e alargamento do Plano Nacional de Videovigilância, o alargamento do sistema de geo-referenciação a veículos de transporte de explosivos e de valores, as reformas da segurança privada e policias municipais e a criação de um observatório de delinquência juvenil. O MAI prevê também a disponibilização de 62,5 milhões de euros para investimentos em equipamentos, de acordo com as Grandes Opções do Plano 2008.
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Todas as polícias:
O Relatório de Segurança Interna resulta de uma compilação efectuada pelo Gabinete Coordenador de Segurança (sob dependência do Ministério da Administração Interna) das informações recolhidas pelas polícias portuguesas. Nele estão representadas a Guarda Nacional Republicana, a Polícia de Segurança Pública, a Polícia Judiciária (sob dependência do Ministério da Justiça), o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, o Serviço de Informações de Segurança, a Direcção Geral da Autoridade Marítima, o Instituto Nacional de Aviação Civil, a Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, e a Direcção Geral de Infra-estruturas e Equipamentos (que procede ao equipamento das forças de segurança).
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Mediatização:
O relatório reconhece um aumento do sentimento de insegurança, tanto ao nível da criminalidade geral, como da criminalidade violenta. No entanto, esse registo não se traduz nos números da criminalidade participada. “As estatísticas da criminalidade participada, seja qual for o país, sendo objectivas, se constituem como indicadores sérios da realidade criminal que é denunciada pelos cidadãos ou participada pelas polícias, contrapondo-se à subjectividade da percepção individual ou colectiva sobre o fenómeno da criminalidade, muitas vezes condicionada e ampliada por uma excessiva mediatização e repetição exaustiva de certas ocorrências criminais”, refere o documento. A discrepância entre os números e o sentimento de insegurança resulta, em grande parte, do “surgimento de novos fenómenos criminais, com modos de actuação e meios mais violentos e organizados”. O relatório reconhece também que nunca foi realizado um relatório de vitimação à escala nacional, que permitiria avaliar o sentimento de insegurança das pessoas.
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Fonte: O Primeiro de Janeiro de 15.05.2008
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