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“Ó senhor ministro da Justiça, o senhor está a dormir. Acorde, por favor. O País pode cair de ridículo”.
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Toda a gente sabe que esta semana dois juízes foram agredidos em pleno tribunal, no momento da leitura da sentença, pelos arguidos de um processo de tráfico de droga.
Toda a gente sabe que o tribunal funcionava provisoriamente no quartel dos Bombeiros Voluntários de Vila da Feira porque o edifício do tribunal estava prestes a ruir.
O que é espantoso é que ninguém saiba que juízes agredidos em tribunal pelos arguidos que estão a ser julgados significa o fim da linha.
É um retrato pavoroso do sistema judicial e a prova indisfarçável de que a Justiça bateu no fundo.
Não adianta pintar com cores brandas o que aconteceu. É um epifenómeno, a ponta do icebergue, mas que mostra à sociedade um cortejo de enormidades que assustam o mais comedido cidadão.
Se um juiz é espancado nos tribunais, o que é que falta acontecer? Nada.
Os tribunais são órgãos de soberania. Que dignidade existe se funcionam no quartel dos Bombeiros Voluntários?
Por puro pragmatismo, alguém decidiu que um tribunal não precisa de lugar próprio para funcionar e de outras formalidades e rituais que historicamente legitimam o exercício da Justiça.
Ou seja, um tribunal pode então funcionar num café, numa mercearia, numa agência funerária, numa discoteca, num mercado ou no quartel dos bombeiros.
Entre um e outro fogo, por entre as sirenes estridentes dos bombeiros, os juízes despacham processos, lêem sentenças, ouvem testemunhas. Eu sei lá!
Isto dava um grande filme. Estou mesmo a ver. Os juízes com os capacetes dos bombeiros para aguentarem bem qualquer paulada. Os advogados das partes enroscados nas mangueiras de água, as testemunhas sentadas nos carros que apagam os fogos e os réus no cimo das escadas magirus à espera da sorte que lhes coube. Precisamos de Fellini para este filme trágico-cómico.
Ó senhor ministro da Justiça, o senhor está a dormir. Acorde, por favor. O País pode cair de ridículo. Faça qualquer coisa.
Sem Justiça o País não funciona, as empresas estrangeiras não se instalam. A economia não floresce. Sem Justiça célere, sem juízes preparados para o acto nobre de julgar, sem instalações dignas, a Justiça esfuma-se.
Faça qualquer coisa, senhor ministro.
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Emídio Rangel, Jornalista
Correio da Manhã de 28 de Junho de 2008
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