sábado, agosto 24

Tribunais e Democracia


Os estudos que tenho realizado ao longo dos anos sobre o papel e o desempenho dos tribunais em Portugal e outros países mostram que desde a década de 1990 o protagonismo social e político dos tribunais tem vindo a aumentar um pouco por toda a parte. Este protagonismo é particularmente visível no caso dos tribunais constitucionais (TC) e dos supremos tribunais com competência constitucional (STJ).

As causas variam segundo o contexto, mas é possível agrupá-las em três grandes conjuntos: as transições políticas; a crise de legitimidade dos outros órgãos de soberania (o poder legislativo e o poder executivo); e a maior consciência dos direitos e da violação dos direitos por parte dos cidadãos, combinada com o maior acesso ao direito e aos tribunais. 

As transições políticas que determinaram o protagonismo dos tribunais foram obviamente as transições de governos autoritários para governos democráticos e começaram muito antes da década de 1990. Ao longo do século XX, foi-se disseminando a ideia, pioneiramente avançada na Europa por Hans Kelsen na Constituição da Áustria de 1920, de que os governos democráticos devem estar efectivamente vinculados à Constituição por via de controlo jurisdicional. As transições democráticas mais significativas foram as que puseram fim aos seguintes regimes autoritários: o nazismo na Alemanha e o fascismo na Itália (1945-49); o fascismo em Portugal e na Espanha (1974-76); as ditaduras militares na América Latina (década de 1980); o comunismo dos países da Europa Central e de Leste (1989 e anos seguintes); o apartheid na África do Sul (1993-1996). O desempenho dos tribunais no controlo constitucional posterior às transições tem sido desigual. A instabilidade política de algumas delas fez com que, por exemplo, na Rússia, Boris Yeltsin suspendesse por decreto o TC em 1993 e que, na Argentina, Carlos Menem aumentasse de 5 para 9 o número dos juízes do TSJ, a fim de poder garantir uma maioria de juízes cordatos. Em muitos outros casos, o desempenho tem constituído um contributo importante para a consolidação dos regimes democráticos. Na década de 1990, o TC da Hungria era o órgão do Estado mais respeitado pelos cidadãos, por garantir a irreversibilidade da transição para a democracia. Na África do Sul, os líderes políticos (Mandela e de Klerk) que negociaram o fim do apartheid deixaram intencionalmente por resolver algumas questões políticas para que fossem assumidas pelo TC e, na maioria dos casos, o tribunal não se furtou a essa tarefa.

O outro conjunto de factores que tem ditado o maior protagonismo e visibilidade dos tribunais superiores tem a ver com a omissão política ou mesmo crise de legitimidade dos outros órgãos de soberania, o Legislativo e o Executivo. A omissão política pode resultar de impasses entre as forças políticas no Governo e na oposição ou da falta de prioridade atribuída por essas forças a certas matérias importantes para grupos de cidadãos e contempladas na Constituição.

Foi esta omissão que levou o TC da Colômbia, criado pela Constituição de 1991, a protagonizar uma brilhante jurisprudência intercultural (direitos dos povos indígenas) que serve hoje de modelo para toda a América Latina. A crise de legitimidade dos outros órgãos de soberania pode estar associada à corrupção, à crescente distância entre líderes políticos e cidadãos de que resultam decisões políticas irracionais e injustas, em violação patente de preceitos constitucionais. Foi dessa crise que os tribunais italianos emergiram na cena pública, na década de 1990, protagonizando a maior investigação criminal contra a classe política e empresarial da Europa do pósguerra. Esta acção judicial ficou conhecida por Mãos Limpas e envolveu centenas de personalidades conhecidas.

O terceiro factor do maior protagonismo dos tribunais diz respeito à crescente consciência dos direitos cívicos, políticos, económicos e sociais por parte dos cidadãos, associada à ideia de que as violações dos direitos são injustas e devem ser punidas e reparadas. Para que destas duas ideias resulte o maior protagonismo dos tribunais é necessário ainda (1) que os tribunais sejam independentes e o direito processual facilite o acesso, (2) que sejam corrigidas as assimetrias no acesso aos tribunais (nas nossas sociedades, tem menos acesso quem mais dele precisa), (3) que um número significativo de magistrados viva a paixão racional de contribuir para a democracia fazendo valer os direitos, mesmo que com isso tenha de correr alguns riscos. Enumero todas estas condições para mostrar que, por esta via, o protagonismo dos tribunais não é fácil. Mas a verdade é que tal protagonismo tem vindo a ser socialmente exigido com cada vez maior insistência, e as razões disto são complexas.

Primeiro, as agências internacionais e ONG de ajuda ao desenvolvimento nunca promoveram a luta pelos direitos por parte das classes populares com o medo de que essa luta despertasse impulsos socialistas que acabariam por ser aproveitados pelo "comunismo internacional". Foi só depois da queda do Muro de Berlim que o financiamento do sistema judicial e do acesso ao direito se transformou em prioridade internacional.

Além de não haver o perigo do "uso político" do acesso ao direito, era preciso virar os tribunais para as necessidades da economia de mercado. Segundo, a viragem neoliberal fez com que os governos se envolvessem em cada vez mais graves violações do direito e dos direitos. Sempre que os tribunais se mostraram acessíveis, os cidadãos não perderam a oportunidade. O caso mais notável é o do STJ da Índia, que tem ocupado um lugar privilegiado nas expectativas de cidadãos vulnerabilizados, ainda que nem sempre tenha correspondido a essa expectativa. Em tempos recentes, os tribunais brasileiros têm tido um papel significativo na efectividade de algumas políticas sociais, por exemplo, no domínio da saúde. O terceiro factor, e talvez o mais decisivo nos próximos anos, é o inconformismo dos cidadãos perante a eliminação dos direitos sociais e económicos quando os media lhes mostram todos os dias como mesmo em situação de crise os ricos e os super-ricos não cessam de acumular riqueza. A violação dos direitos passa a ser vista como o outro lado do sequestro da democracia e os tribunais passam a ser as instâncias de penúltimo recurso, antes da explosão social.

Boaventura de Sousa Santos
Director do Centro de Estudos Sociais, Laboratório Associado, da Universidade de Coimbra
Público | 24-08-2013

Fonte: Revista digital IN VERBIS

quarta-feira, agosto 14

As incompatibilidades eleitorais e a judicialização da política


Os tribunais foram empurrados e envolvidos para um jogo partidário que não lhes pertence e que não querem, mas que, por força das suas competências, têm que decidir.
Em Março passado alertámos publicamente para o problema jurídico da lei das incompatibilidades eleitorais e o desgaste que a indefinição legal iria provocar sobre a atuação dos tribunais.
Invocámos, então, a tentativa de judicialização da política que a questão iria suscitar.
Em pleno processo eleitoral, as primeiras decisões confirmaram o que então se previu. Há decisões a interpretar a lei de determinada forma e há decisões a interpretar a mesma lei de forma contrária.
Argumenta-se e comenta-se a judicialização da política por via das decisões judiciais tomadas.
Se, juridicamente, nada há de estranho nestas decisões, tendo em conta a elaboração dúbia da lei e o princípio da independência dos tribunais, os cidadãos dificilmente compreendem estas situações e as suas perplexidades naturais recaem sobre os juízes que, de forma diferente, interpretam a mesma lei.
O que acontece é que o legislador quis provavelmente que fosse este o resultado de uma lei que todos sabiam que viria provocar esta situação.
Deixando, propositadamente, aos tribunais, o ónus de interpretar uma lei que o legislador não quis oportunamente clarificar, remeteu-se para a justiça uma decisão que tem um reflexo político-partidário imediato e que poderá servir como justificação para derrotas ou vitórias partidárias e concretamente para um "saldo" político que convém a muitos.
Os tribunais foram empurrados e envolvidos para um jogo partidário que não lhes pertence e que não querem mas que, por força das suas competências, têm que decidir.
Os juízes, aplicando a lei, decidem, juridicamente e sempre de forma livre e independente, ainda que de forma diversa. Sejam as leis bem ou mal feitas!
Os tribunais cumprem as leis e a Constituição. Os resultados eleitorais estarão nas mãos dos cidadãos e só nestes.

José Mouraz Lopes, Presidente da ASJP | Público | 14-08-2013

Fonte: Revista digital IN VERBIS


segunda-feira, agosto 12

ESCLARECIMENTO SOBRE PENSÕES DE JUÍZES E DIPLOMATAS


O Gabinete do Secretário de Estado da Administração Pública esclareceu, a propósito de uma notícia publicada em diversos jornais diários, referindo que juízes e diplomatas não seriam abrangidos pelos cortes de 10% nas pensões do Estado, que estes pensionistas «não podem ser sujeitos, em simultâneo, a medidas de redução de remunerações e de pensões aplicáveis, respectivamente, a trabalhadores no activo e a pensionistas», o que «seria uma dupla penalização, dificilmente sustentável do ponto de vista dos princípios de equidade que devem presidir à conformação deste tipo de medidas de reforma».

«As pensões dos referidos grupos de beneficiários estão, por motivos de indexação às remunerações no activo, automaticamente sujeitas a medidas de redução remuneratória, ou outras, que impendem sobre os trabalhadores no activo do sector público. Por força desta circunstância, estes beneficiários tiveram o valor da respectiva pensão diminuído pela aplicação da redução remuneratória (até 10%) imposta pela Lei que aprovou o Orçamento de Estado para o ano de 2011 e mantida nos anos seguintes», refere o esclarecimento, acrescentando que «as pensões destes beneficiários estão sujeitas a todas as medidas que possam vir a ser adoptadas futuramente em matéria de política remuneratória aplicável aos trabalhadores no activo do sector público».

As notícias referem-se a um anteprojeto de proposta de lei «que reforça os mecanismos de convergência das regras de cálculo das pensões aplicáveis aos beneficiários da Caixa Geral de Aposentações para as regras previstas no Regime Geral de Segurança Social, ontem enviada aos Sindicatos, refere explicitamente que não são alteradas as pensões "automaticamente actualizadas por indexação à remuneração de trabalhadores no activo líquida de quotas para aposentação e pensão de sobrevivência"».

Nesta situação estão «alguns grupos de pensionistas que, por força dos seus estatutos específicos, têm o valor da sua pensão automaticamente indexada à remuneração da respetiva categoria profissional no ativo, tendo por fundamento circunstâncias especiais associadas à sua situação de pensionista, nomeadamente, os juízes jubilados e os funcionários diplomáticos com a categoria de embaixador ou de ministro plenipotenciário jubilados».

De facto, os estatutos dos magistrados judiciais e dos funcionários do serviço diplomático referem:

«Estatuto dos Magistrados Judiciais - Lei n.º 21/85, de 30 de Julho

Artigo 67.º - Jubilação

6 - A pensão é calculada em função de todas as remunerações sobre as quais incidiu o desconto respetivo, não podendo a pensão líquida do magistrado judicial jubilado ser superior nem inferior à remuneração do juiz no ativo de categoria idêntica.

7 - As pensões dos magistrados jubilados são automaticamente atualizadas e na mesma proporção em função das remunerações dos magistrados de categoria e escalão correspondentes àqueles em que se verifica a jubilação.

Estatuto profissional dos funcionários do quadro do serviço diplomático - Decreto-Lei n.º 40-A/98, de 27 de Fevereiro

"Artigo 33.º - Aposentação e jubilação

2 - Serão considerados jubilados os funcionários diplomáticos com a categoria de embaixador ou de ministro plenipotenciário que, reunindo os requisitos legalmente exigíveis para a aposentação e contando mais de 30 anos de serviço efectivo na carreira diplomática, passem àquela situação por motivos não disciplinares.

5 - As pensões de aposentação dos funcionários diplomáticos jubilados serão automaticamente actualizadas em percentagem igual à do aumento das remunerações dos funcionários diplomáticos no activo de categoria e escalão correspondentes aos detidos por aqueles no momento da jubilação.»

A recusa da dupla penalização foi expressa «em diversas decisões judiciais a propósito da aplicação, em 2011, da redução remuneratória (de 10%) aos juízes jubilados, com a aplicação, em simultâneo, da Contribuição Extraordinária de Solidariedade (CES). Foram, com base nessas decisões, estes pensionistas retirados do âmbito de aplicação da CES, mantendo-se, naturalmente, no âmbito de incidência das medidas de restrição salarial aplicáveis aos trabalhados no activo».

(2013-08-07 às 12:26)

Fonte: Site do Ministério das Finanças


terça-feira, agosto 6

Números é que contam


Joana Salinas, desembargadora da Relação do Porto, abandonou a magistratura após 30 anos de carreira.

Correio da Manhã – Quais os motivos que a levaram a abandonar a magistratura?

Joana Salinas – Pedi uma licença sem vencimento por duas razões: a primeira foi porque decidi abraçar um projeto na política, apoiando a lista do PS à Câmara de Matosinhos; a segunda foi porque sentia falta do contacto com as pessoas. O trabalho no Tribunal da Relação é importante, mas a verdade é que só lidamos com papéis.

Considera que juízes mais experientes fazem falta no terreno?

Sem dúvida nenhuma. Acho que juízes como eu, com décadas de experiência, deviam poder continuar a julgar processos, pelo menos os mais complexos. É um desperdício para a Justiça os juízes estarem fechados em gabinetes.

Uma das suas lutas sempre foi o combate contra o crime da violência doméstica. Considera que a Justiça ainda falha nesse campo?

Continuam a existir mortes porque nem todos os mecanismos funcionam ainda, infelizmente. O legislador continua também a tratar a violência doméstica como um crime menor. Basta vermos que os julgamentos agora são realizados em tribunal singular, apenas por um juiz, quando até há pouco tempo eram em coletivo, com três juízes. Isto revolta-me.

Considera que os juízes atualmente são mais pressionados, no sentido de tomarem decisões de forma mais célere?

Atualmente os juízes e procuradores estão sobrecarregados de processos e o objetivo de quem nos avalia não é ver se fizemos bem ou mal, o que contam são os números. Existem julgamentos que demoram mais tempo e, quando isso acontece, não se despacham tantos processos, as estatísticas então baixam e o Conselho não gosta nada disso.

Que mudanças, na sua opinião, deveriam ser efetuadas na Justiça?

No meu entender deveriam existir juízes especializados para certo tipo de crimes como violência doméstica e abusos sexuais. Infelizmente não temos formação nessas áreas, a que tenho foi paga do meu bolso.

Fonte: Correio da Manhã 05.08.2013


sábado, agosto 3

Legislar mal


Os portugueses têm tomado conhecimento de diversas decisões dos tribunais sobre a questão da possibilidade electiva dos presidentes "de/da" Câmara que nas próximas autárquicas tenham já concluído três mandatos.

Trata-se de matéria controversa que chegou à barra dos tribunais por o poder legislativo, em tempo útil, não a ter querido resolver. A ambiguidade da norma que estabelece a condicionante electiva dos presidentes camarários poderia, e deveria, ter sido esclarecida pelo legislador.

Este é um exemplo de como se legisla mal, endossando para o poder judicial o esclarecimento de um má redacção, que pode dar azo a várias interpretações, atribuindo-se à decisão judicial uma opção política. O poder político prestou um mau serviço à democracia e às suas instituições. Ao invés de se afirmar que o poder judicial invade o poder político, convirá questionar se não será antes este último que, em certas situações politicamente mais melindrosas e sensíveis, ‘lava as mãos’, remetendo para os tribunais a ingrata tarefa de as decidir, endossando a sua responsabilidade.

Sousa Pinto, Vice-Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa

Fonte: Correio da Manhã 03.08.2013


sexta-feira, junho 7

Aberta a caça à multa? Governo quer mais receitas com infracções nas estradas.


Executivo quer garantir mais um milhão e meio de euros com as infracções ao Código da Estrada, segundo o Orçamento Rectificativo.

As violações do Código da Estrada renderam menos dinheiro no ano passado, mas o Governo quer aumentar as receitas por esta via, em 2013.

Em 2012, as multas valeram cerca de 84 milhões de euros. Deste valor, 37% (pouco mais de 28 milhões de euros), reverteram para o Estado. Para este ano, o objectivo é mais ambicioso: o Governo quer arrecadar 85,4 milhões de euros em multas de trânsito.

O valor está previsto no Orçamento Rectificativo, que esta sexta-feira é discutido na Assembleia da República.


Fonte: Renascença, 07.06.2013.


sábado, abril 27

Os direitos adquiridos nos contratos das PPP



Nas últimas semanas a actividade governamental tem sido intensa. Realizou um Conselho de Ministros, pela madrugada fora, e no dia seguinte foi-nos apresentado um conjunto de decisões por um conjunto de ministros de que retirei, por junto, uma ou duas medidas com significado: uma a de "requalificar" o pagamento de duodécimos que já estavam em curso e a outra a de "renegociar" os contratos das parcerias público-privadas (PPP), com o objectivo de poupar mais uns poucos milhões de euros. Foi concretizada, entretanto, uma outra fase da remodelação em curso e foram tomadas, mais recentemente, decisões na área da agora redenominada "agenda para o crescimento". Algumas das propostas conhecidas merecem o nosso aplauso. Assim seja possível dar-lhes aplicação prática.
Mas de toda esta azáfama fiquei com a convicção de que no domínio da renegociação das ditas PPP seria necessária uma reflexão mais aprofundada, nomeadamente no que se refere ao que me tem parecido ser uma certa incompreensão dos "direitos adquiridos", na medida em que parece ser entendimento governamental, e não só, que este conceito deve ter aplicação exclusiva no âmbito destes contratos.
Vejamos! Os direitos adquiridos, com maior ou menor recorte e fundamento civilizacional, deram os primeiros passos na Grécia Antiga, desenvolveram-se na civilização romana e adquiriram as bases científicas e culturais segundo o paradigma do racionalismo com a Revolução Francesa, tendo sido alargados e aprofundados com a consolidação do Estado social.
Os direitos adquiridos são "o produto final de uma civilização avançada que se estruturou à volta da teoria do pacto social". (juiz- -conselheiro Noronha do Nascimento em discurso proferido em Janeiro de 2012).
Mas o direito, que é obra do homem e das suas circunstâncias, ao longo da história, contempla e consagra regras legitimadoras para o "rompimento" deste pacto social.
O direito português, que assegura a regra do pacta sunt servanda, determina também que o mesmo pode sofrer derrogações sempre que se verifiquem alterações supervenientes tidas como legitimadoras do não cumprimento.
Foi com fundamento nestas alterações supervenientes que alguns contratos entre o Estado e os cidadãos deixaram de ser cumpridos (temporariamente, é certo), ou seja, os direitos adquiridos a uma pensão ou reforma, a um período de férias remunerado, a um salário definido, a um subsídio de doença ou outro, ficaram "suspensos" quanto à sua aplicação por decisão unilateral do Estado.
E é de direitos adquiridos em sentido técnico de que falo, não é de expectativas juridicamente tuteladas.
Os cidadãos ficaram, assim, privados do cumprimento integral da prestação a que o Estado se havia vinculado através de contrato social firmado de forma livre e não condicionada.
Os portugueses aceitaram esta situação; compreenderam, na verdade, que as condições de emergência económica e financeira eram pressupostos válidos para, da sua parte, aceitarem as limitações decorrentes da alteração superveniente das circunstâncias.
Este princípio não foi, todavia, aplicado a todas as situações, pelo menos de que se tenha conhecimento.
Refiro-me aos contratos das PPP. Numa primeira fase parece ter sido negociada a diminuição de preços pela via da não realização de alguns trabalhos, assumindo o Estado a sua concretização. Tratou-se, pois, de um acerto bilateral entre as partes. Legitimo, naturalmente!
Mas este processo negocial vai ser "retomado" no sentido de ser alcançada uma nova poupança. Aplaudo, mas não compreendo esta decisão!
O outro sujeito desta relação contratual é titular de direitos adquiridos? Admito que sim. O que não compreendo é que a regra que legitimou a ruptura - temporária - dos contratos celebrados com os cidadãos não seja também apta a legitimar o mesmo procedimento no domínio destes contratos, na medida em que a rentabilidade financeira assegurada aos mesmos no tempo em que foram celebrados foi fundada em circunstâncias cuja alteração foi superveniente, a mim me parece evidente.
Do que escrevi, o que é que não compreenderam?...

CELESTE CARDONA

Fonte: Diário de Notícias de 25.04.2013


quinta-feira, março 28

As poderosas firmas de advogados


A legislação mais importante, a de maior relevância económica, já não é elaborada no Parlamento, como deveria, mas sim nas grandes sociedades de advogados.

Estas têm sido contratadas pelos sucessivos governos para produzir leis nas áreas do urbanismo e do ordenamento do território, da construção, ou até de toda a contratação pública.
Por norma, estas poderosas firmas produzem maus diplomas, que sempre padecem de três falhas. Têm inúmeras regras, para que ninguém as perceba, muitas excepções para beneficiar os amigos; e, ainda por cima, atribuem um enorme poder discricionário a quem as aplica, o que evidentemente convida à corrupção.
De seguida, estas sociedades ainda emitem pareceres para as mais diversas entidades, a explicar as omissões de que eles próprios são os responsáveis. E voltam a ganhar milhões.
E, finalmente, ainda podem ir aos grupos privados vender os métodos de ultrapassar a Lei, através dos alçapões que eles próprios introduziram na legislação.
Ganham assim em três carrinhos. Mas o povo, esse, perde em toda a linha.


Paulo Morais

Fonte: Renascença 25.03.2013

quarta-feira, março 13

Sistema de Informações da República Portuguesa - Designação de dois cidadãos



Resolução da Assembleia da República n.º 30/2013

Eleição de dois membros para o Conselho de Fiscalização
do Sistema de Informações da República Portuguesa

A Assembleia da República resolve, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição e do n.º 2 do artigo 8.º da Lei Quadro do Sistema de Informações da República Portuguesa (Lei n.º 30/84, de 5 de Setembro, alterada e republicada pela Lei Orgânica n.º 4/2004, de 6 de Novembro), designar como membros do Conselho de Fiscalização do Sistema de Informações da República Portuguesa os seguintes cidadãos:

Paulo Cardoso Correia da Mota Pinto.

João Barroso Soares.

Aprovada em 8 de Março de 2013.

A Presidente da Assembleia da República, Maria da Assunção A. Esteves.

Publicada no Diário da República, I Série, de 13 de Março de 2013.


segunda-feira, março 11

Os tribunais e o estado da República III


A arbitrariedade lusa a fixar as indemnizações é tal que não alcanço como é que o legislador nunca retirou tal poder aos nossos juizes.

A honra de alguns, quando ferida, é compensada pelos tribunais portugueses com centenas de milhares de euros. Ficamos cientes de que a honra é uma coisa séria… pelo menos em alguns casos.

É que se for exactamente a mesma honra, mas de “qualquer um do povo”, a ser violentada, mesmo que seriamente, mesmo que através de mentiras sórdidas que o desacreditem de vez, mesmo que através de uma bateria de artigos na imprensa durante meses, conseguir 5 ou 6 mil euros já será um feito.

Nestes casos ordinários invoca-se a doutrina mais sábia para justificar que uma injúria, ou uma difamação, são bagatelas penais – daí terem as penas mais pequenas do sistema português…

Três e seis meses de pena de prisão, ou multa, respectivamente. Afinal para o vulgo a honra não é coisa séria. É a igualdade republicana! E quanto aos critérios jurisprudenciais de valoração da honra ferida, ficamos conversados.

Aliás, os critérios dos tribunais portugueses para fixar indemnizações, em geral, são particularmente interessantes, pois funcionam como não critérios: são ao gosto do freguês, sendo aqui o freguês quem arbitra a indemnização.

Se quem quer que seja se vê prejudicado, luta anos a fio nos tribunais, não só contra o réu da acção, mas principalmente contra o julgador, que por princípio desconfia de quem o incomoda com o petitório. E se os danos invocados forem “morais” (como diz o povo), então a luta ainda é mais titânica Sofreu? Zangou-se? Chorou? Deprimiu-se? Ó senhor! Não seja piegas…

Ao fim e ao cabo todos temos por vezes de ver e ouvir o que não queremos, dirá o réu, acolitado pela justiça, desconfiada de que a ofensa não ofendeu assim tanto. E o lesado fica assim com duas dores: a da lesão inicial e a da injustiça com que o sistema judicial o trata ao considerar que fingiu as mágoas alegadas.

A arbitrariedade lusa a fixar as indemnizações é tal que não alcanço como é que o legislador nunca retirou tal poder aos nossos juizes. Fixava em tabela legal o “preço” mínimo de cada tipo de dano “moral”. E tal valor só poderia ser alterado por prova de mais danos. Tal não acontecendo, encontramos vidas humanas a valerem menos que a honra de alguns, a perda de uma perna a ser mais irrelevante que uma unha encravada de outros, a dor de uma grávida que perde o feto menos expressiva que uma atoarda jornalística num pasquim de quinta.

E é aqui mais um ponto em que o sistema falha: só se pode confiar discricionariedade quando há garantias de que não se transforma em arbitrariedade. Só se podem conferir poderes quase ilimitados – e na verdade materialmente incontroláveis, pois os recursos são por regra o que são – a quem se mostra ser prudente. Por isso tremo cada vez que oiço, ou leio, alguém a querer atribuir maiores poderes aos julgadores.

Razão tinham os franceses, na sua Revolução de setecentos: o juiz deve ser a boca que pronuncia as palavras da lei… mais do que isso, digo eu, só com caução.

Saragoça da Matta (Advogado, escreve à sexta-feira)

Fonte: Jornal I, 01.03.2013. 

segunda-feira, fevereiro 18

Momentos infelizes


No exercício de cargos do Estado exige-se prudência. A afirmação da PGR no Parlamento, de que "poderia introduzir-se um mecanismo de maior sanção disciplinar quando os juízes não cumprissem prazos além dos 3 ou 6 meses" e que, "sempre que houvesse um atraso destes, haveria abertura de um inquérito", representa um momento infeliz neste seu ainda curto mandato.

Infeliz, por provir de quem sabe que os juízes são inspeccionados periodicamente e que os atrasos são elemento determinante, levando à instauração de processos disciplinares, sujeitos a um controlo do CSM.

Infeliz, porque é dito por quem sabe que os atrasos na Justiça não derivam, em regra, da actuação dos juízes, e que, segundo as palavras do insuspeito Prof. Nuno Garoupa, se a Justiça ainda anda é porque os juízes a carregam às costas.

Infeliz, porque num momento de reformas era desejável tranquilidade, expurgada de afirmações capazes de reacender divergências.

Infeliz, porque parece centrar as problemáticas existentes na Justiça numa única classe, excluindo as demais.

Sousa Pinto, Vice-presidente TRL

Correio da Manhã 16-02-2013 (via IN VERBIS)

domingo, fevereiro 17

Os atrasos dos juízes


As sondagens nacionais têm revelado que os juízes e os magistrados do Ministério Público chegam a ultrapassar pela negativa, em níveis de popularidade, os políticos (que tra- dicionalmente detinham os piores resultados). Uma das causas desta má reputação da nossa Justiça, que afeta a imagem do próprio Estado de Direito, é a morosidade dos processos judiciais.

Uma Justiça que se arraste para além de um horizonte temporal razoável deixa de ser justa. Esta afirmação vale tanto em matéria civil como em matéria penal. Tal como observava o Barão de Montesquieu, há já perto de trezentos anos – em ‘Do espírito das leis’ –, muito mais importante do que a gravidade das penas é a certeza e a celeridade da punição.
É neste contexto que se compreende a proposta feita pela Procuradora-Geral da República, no âmbito de uma audição parlamentar sobre a reforma do Código de Processo Civil. Segundo essa proposta, deveria instaurar-se um processo pré-disciplinar de averiguações ou inquérito sempre que os juízes excedessem em mais de três ou seis meses prazos processuais.
É claro que a proposta de instauração automática de um processo pressupõe, no entanto, uma relativa ineficácia das inspeções a que são sujeitos os juízes. Essas inspeções deveriam ser, na verdade, a sede própria para detetar atrasos processuais e apurar as suas causas, determinando, sempre que isso se justificasse, o apuramento de responsabilidades.
De todo o modo, a automaticidade não pode permitir, em caso nenhum, a instauração de processos disciplinares ou a punição de juízes de acordo com um princípio de responsabilidade objetiva e abstraindo da sua responsabilidade pessoal pelos atrasos. Tal solução violaria gravemente o princípio da culpa, decorrente da essencial dignidade da pessoa humana.
Por outro lado, pior ainda do que a morosidade processual seria a precipitação e a arbitrariedade no julgamento dos processos. Sem pactuar com atrasos injustificados e violações grosseiras do dever de zelo, devemos reconhecer que a "pressa" é má conselheira. Julgamentos "sumários" e sentenças irrecorríveis estão na origem de conhecidas iniquidades.
Por esta razão, é muitíssimo duvidosa, por exemplo, a solução de alargar o processo sumário a todos os crimes. Pode um crime com a gravidade do homicídio qualificado, por exemplo, ser julgado sem fase de inquérito e por um só juiz, mesmo que haja flagrante delito – que, entre nós, abrange detenções feitas por quaisquer pessoas em flagrante delito presumido?

Fernanda Palma, Professora Catedrática de Direito Penal


Fonte: Correio da Manhã de 17.02.2013

quarta-feira, fevereiro 6

Críticas internas são «bota abaixismo eleitoralista»


Disse o Bastonário da Ordem dos Advogados, Marinho Pinto.

O bastonário da Ordem dos Advogados (OA) classificou esta terça-feira de «bota-abaixismo eleitoralista» as críticas que foram feitas pelo facto de a Ordem ter solicitado um parecer, sobre a questão dos Estatutos da classe, a um conhecido escritório de advogados de Lisboa.
 
«São críticas oportunistas que se inserem no bota abaixismo eleitoralista de alguns proto-candidatos a bastonário», disse Marinho Pinto aos jornalistas, à saída da Comissão Parlamentar de Assuntos Constitucionais, onde foi ouvido sobre a proposta de reforma do Código de Processo Civil.
 
Marinho Pinto salientou que «não vai divulgar publicamente», pela comunicação social, o custo do parecer, mas esse dado constará dos documentos da OA, que podem ser consultados por qualquer advogado.
 
O bastonário precisou que o pedido foi feito a um advogado do escritório da sociedade de Sérvulo Correia, e considerou o ruído nos jornais, que isso provocou, um «bota abaixismo eleitoralista de pessoas que têm mais ambições do que ideias» e que utilizaram essa questão para «aparecer» na comunicação social.
 
Quanto ao recente pedido do Conselho Distrital de Lisboa (CDL) da OA para a convocação, pelo Conselho Geral (presidido pelo bastonário), de uma assembleia geral extraordinária para discutir a alteração estatutária da classe, Marinho Pinto enfatizou que só o Conselho Geral e o Congresso dos Advogados têm competência para discutir os Estatutos, e que a Assembleia Geral não possui essa competência, pelo que seria «ilegal».
 
«O Congresso é o principal órgão da OA», sublinhou Marinho Pinto, que anteviu que o Congresso se possa vir a realizar em Junho. «Vamos ver quem tem medo do Congresso», disse.
 
Na última quinta-feira, o presidente do CDL da OA, Vasco Marques Correia, considerou que o anteprojeto de Estatuto da Ordem «menoriza a advocacia portuguesa» e «não resolve a magna questão do acesso à profissão».
 
Fonte: TVI, 06.02.2013

sábado, fevereiro 2

Justiça


Com a abertura de mais um ano judicial, o desejo de pôr fim à impunidade na Justiça sobe de tom. Esta tem sido, aliás, uma das bandeiras da ministra Paula Teixeira da Cruz: acabar com os truques legais que permitem o adiamento ‘ad aeternum’ das decisões judiciais.

A justiça só é completa quando célere e, sendo esta uma das funções primordiais do estado, a sua concretização é indispensável.

Ora, este é o grande problema com que nos deparamos: para a classe política, predominantemente socialista, a Justiça perdeu para as políticas económicas a primazia entre as funções do estado. Um Estado interventivo tem de regulamentar e impor regras. Ao fazê-lo, e na medida em que decide, sujeita-se às pressões dos grupos que dependem das suas deliberações.

A pressão na elaboração das lei torna-se insuportável e, em vista de a ninguém querer desagradar, transforma-as numa amálgama de preceitos, tantas vezes contraditórios e de nulo efeito, devido aos que sabem encontrar o pretexto que as neutralize. A impunidade de que tantos falam na Justiça nasce daqui: do excesso de leis, que advém da escolha dogmática do Estado ser um actor principal em todas as áreas. Alargando as suas funções, o Estado deixou-se manietar e esqueceu a importância de fazer leis gerais e abstractas. Simples e isentas.

Outra causa são as barreiras no acesso às profissões jurídicas. Ao contrário de outrora, um advogado não foi magistrado, nem este advogado ou notário. Um juiz é juiz desde os 25 anos. A falta de troca de experiências tolhe o conhecimento e as leis reflectem isso mesmo: falta de sensibilidade para as diferentes perspectivas do Direito. Os campos estão de tal forma fechados, que as leis se tornam deficientes por não abarcarem todas as suas possíveis aplicações; não terem em conta as diferentes perspectivas de quem as utiliza. Este estancamento das profissões jurídicas impede o fluir da experiência, hostiliza-as umas contras as outras e explica em muito a falta de qualidade das leis.

André Abrantes Amaral, Advogado.

Fonte: Diário Económico, 01.02.2013.

Mapa judiciário - Justiça em contentores



Paula Teixeira da Cruz quer fazer obras de requalificação em 102 tribunais. Enquanto decorrerem as obras, alguns dos tribunais vão funcionar em prefabricados.
Concluídas até ao final do ano, a tempo da implementação do novo mapa judiciário, que ocorrerá em janeiro de 2014 na maior parte das comarcas, estarão as intervenções em 76 edifícios, ficando apenas as de maior envergadura para terminar depois.
Enquanto as obras decorrerem, alguns serviços judiciais funcionarão em prefabricados, uma solução que, ao que a VISÃO apurou, está a ser equacionada para as comarcas de Bragança, Castelo Branco, Évora, Faro, Leiria, Funchal, Portalegre, Setúbal e Vila Real.
Mas também casos, como os de duas secções do Tribunal de Família de Coimbra e do Palácio da Justiça de Évora, que continuarão a funcionar no mesmo local, com as obras a decorrer. Já em dezembro, durante as Jornadas para a Transparência na Justiça, Paula Teixeira da Cruz anunciara um investimento de 29 milhões de euros na requalificação dos tribunais.
A ministra da Justiça falou então em 86 obras necessárias devido ao mau estado de conservação das instalações. «Temos orçamento, apesar das dificuldades», avançou na altura, sublinhando que essas obras se destinam a evitar «desperdício de dinheiros na construção de tribunais em locais onde não se justificam».
Também no final do ano passado, um relatório da Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP) dava conta das más condições de higiene e segurança de alguns tribunais de 1ª instância, sobretudo no Norte do País.
Mouraz Lopes, o presidente da ASJP, considera a instalação provisória em prefabricados «uma situação normal» dada a sua natureza «transitória e conjuntural» e dá o exemplo do Tribunal do Montijo, o qual esteve até há pouco a funcionar em circunstâncias semelhantes.
Também no entender do presidente do Sindicato dos Funcionários Judiciais, as intervenções são necessárias para implementar o novo mapa judiciário. «Vai haver uma revolução total do País e julgo que deverá ser em função disso que as obras serão realizadas», afirma Fernando Jorge.
Contactado pela VISÃO, o gabinete da ministra diz que o grupo de trabalho incumbido de definir o calendário das obras ainda não acabou o seu estudo, mas as de maior vulto serão nas comarcas do Funchal, Castelo Branco, Vila Real, Loures, Faro e Setúbal.

Sara Belo Luís | Visão | 31-01-2013

Fonte: Revista Digital IN VERBIS

A abertura do ano judicial


Estou a escrever este texto antes da realização oficial da abertura do ano judicial. Desconheço, pois, o teor das intervenções que vão ser proferidas nesta cerimónia.
Mas, como sabem, já nela participei, umas vezes em silêncio e outras vezes discursando. Devo confessar que, em todas essas ocasiões, fiquei com uma sensação de "desconforto".
Sei que se trata de uma "tradição", mais do que isso, de uma sessão cuja realização está prevista na lei. É uma "festa da justiça". Mas parece que ficamos sempre à espera de mais! Mais do que discursos, mais do que meras afirmações, previsões e, nalguns casos, críticas que nesta cerimónia normalmente são produzidas.
Terminada a "abertura", encerrados os discursos e os cumprimentos, nada mais acontece. É uma sensação de vazio consequencial!
Pergunto-me, neste ano, se é possível mais... Não creio. Mas creio que, pelo menos, é legítimo pensar sobre o que poderia ser e representar esta cerimónia de tanto "peso" institucional e em que estão presentes todos e os mais altos responsáveis pela política de justiça no nosso país.
A justiça, neste momento, está "apaziguada". Segundo notícias veiculadas pela comunicação social, estão em curso reformas, nomeadamente do processo civil e do mapa judiciário, relativamente às quais parece haver algum consenso junto dos respectivos operadores judiciais. Bom trabalho da ministra da Justiça!
É claro que este consenso deve ser entendido nos seus precisos termos. Sempre haverá críticas e novas propostas. Sobretudo se pensarmos que, no primeiro caso, vai ocorrer uma profunda mudança de paradigma na aplicação do processo.
O juiz controlador/coordenador/gestor da tramitação processual do velho código de Alberto dos Reis parece que vai passar a ser o pivô central do processo.
Trata-se de uma solução para os novos tempos e para a nova cultura, nomeadamente de todos os que nela intervêm. O problema é saber se esta profunda mudança de filosofia é susceptível de ser apreendida e aplicada agora e sem mais.
Recordo que os anteriores códigos de processo levaram mais de um ano antes da respectiva entrada em vigor. Era necessário preparar os agentes e dotar de meios as instituições.
A afirmação da importância desta reforma exige que a sua aplicação, no tempo e no modo, possa ser realista, ou seja, possa ser posta em prática, apenas e logo que estejam verificadas as condições para o efeito. As reformas na justiça não são, como alguns pensam, de aplicação imediata e rápida. Sei do que falo, por experiência vivida!
Se da abertura do ano judicial resultar que, neste âmbito, vai ser possível, do ponto de vista "operacional", revisitar o problema e verificar se estão preenchidas todas as condições para que o código, que assimila novos paradigmas e filosofia, possa com toda a segurança e certeza entrar em vigor no tempo certo, a meu ver seria um bom resultado desta cerimónia.
É que, não posso deixar de sublinhar, persiste uma ideia bastante perigosa que pode pôr em causa os princípios fundamentais do sistema jurídico, que são os da certeza e segurança jurídica. Cada vez que um problema, uma situação, um caso parecem não ter solução, logo vem a resposta: faz-se uma lei!
Estamos... Portugal está "pleno" de leis. Temos, todos o dizem, dos melhores sistemas normativos da Europa. Mas também todos o dizem e, sobretudo, sentem que não temos um sistema normativo perene, certo e seguro.
Tem mudado ao sabor das políticas, dos "casos" das "insuficiências" das "ditas omissões" legislativas, da mediatização, da falta de enquadramento legal, enfim... uma panóplia de razões que habitualmente são invocadas, não para melhorar, aperfeiçoar, corrigir, dotar de meios e recursos os operadores, mas, ao contrário, para fazer mais uma lei!
Não é de mais leis que precisamos. Precisamos de aplicar e aplicar bem as leis que existem. E quanto mais existem, menos boa é a sua aplicação!
Se os discursos proferidos abordarem também esta problemática, pela minha parte, diria que a cerimónia terá cumprido a sua missão!

Celeste Cardona

Fonte: Diário de Notícias de 31.01.2013

terça-feira, janeiro 29

Segurança Social queria retirar à mãe crianças encontradas mortas em Oeiras




Família estava sinalizada pela Comissão de Protecção de Crianças e Jovens de Oeiras e a Segurança Social queria retirar os filhos à mãe.

A Segurança Social (SS) garantiu hoje que emitiu um parecer favorável para que fossem retiradas à mãe as duas crianças encontradas mortas no interior de um carro, domingo à noite, em Oeiras, distrito de Lisboa.
Numa nota hoje divulgada, a Segurança Social afirma que, "a 23 de Janeiro 2013, teve lugar audiência judicial na qual foi aplicada a medida de promoção e protecção de 'apoio junto do pai', com efeitos imediatos, ficando também definido que as visitas da mãe aos filhos apenas se realizariam em casa de familiares e sob a sua supervisão".
No mesmo documento, a instituição acrescenta que, no âmbito de um processo de Promoção e Proteção no Tribunal de Família e Menores, os serviços da SS "acompanharam o caso, tendo emitido parecer de retirada das crianças à mãe", que viria a ser hoje encontrada morta a pouca distância da viatura onde estavam os filhos, de 12 e 13 anos, também mortos.
A família estava sinalizada desde 2012 pela Comissão de Proteção de Crianças e Jovens (CPCJ) de Oeiras. O presidente da CPCJ de Oeiras disse que as duas crianças encontradas mortas num carro foram sinalizadas à instituição em 2012 e que o caso seguiu para tribunal.
"A situação foi-nos sinalizada em 2012 e nesse ano o processo seguiu para tribunal. Tentámos intervir, mas como não estavam reunidas todas as condições para que se pudesse agir, e como a instituição não pode atuar sem a autorização dos pais, o processo seguiu para o Tribunal de Família e Menores de Cascais", explicou João Belo, à agência Lusa.
Fonte ligada ao processo adiantou à Lusa que foi a PSP quem deu a indicação à CPCJ de Oeiras sobre a situação dos dois irmãos, de 12 e 13 anos, encontrados mortos no interior de um carro, nas imediações da Faculdade de Motricidade Humana, na Cruz Quebrada, Oeiras, na noite de domingo.
João Belo escusou-se, contudo, a dizer o mês em que essa sinalização foi feita, nem quando é que o processo seguiu para o tribunal. O responsável acrescentou ainda que não sabe se, entretanto, o tribunal terá tomada alguma decisão sobre o caso.

Vítimas vão ser autopsiadas 


Fonte policial disse anteriormente à agência Lusa que o corpo da mãe das crianças foi encontrado a pouca distância do veículo onde estavam os dois irmãos. As três vítimas vão agora ser autopsiadas para apurar as causas da morte.
A mesma fonte acrescentou que a avó, quando foi ouvida pelas autoridades, disse que a mãe das crianças tinha problemas de depressão.
"As crianças estavam no banco traseiro de um carro tapadas com uma capa amarela. Não apresentavam ferimentos e no local havia bolos, o que pode dar a entender que foram envenenados", explicou outra fonte policial, à Lusa.
As autoridades policiais foram alertadas, cerca das 19:30 de domingo, por um segurança, o qual informou que se encontrava, desde o dia anterior, uma viatura nas imediações dos dormitórios da faculdade.
"Quando lá chegaram, os polícias encontraram um corpo debaixo de um oleado no interior do veículo, com vestígios de sangue. Depois de destaparem, constataram tratar-se de dois corpos", adiantou a mesma fonte.
Os agentes da PSP ficaram "impressionados" com o "cenário macabro", com o qual se depararam.

Fonte: Expresso, 28.01.2013.


sábado, janeiro 26

Juiz do Supremo Tribunal de Justiça admite direito "à não existência"


O juiz do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) Pires da Rosa admitiu que há em Portugal um “direito à não existência”, desde que foi aprovada a lei de descriminalização da interrupção voluntária da gravidez.

No acórdão sobre o caso de um bebé que nasceu sem braços e com várias outras deformações, que o impedem para sempre de ter uma vida independente e normal, Pires da Rosa admitiu, “em tese”, o “direito à não existência”.

Um direito que considera existir desde que a lei portuguesa consagrou a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, “colocando a vida, nesses precisos casos, nas mãos dos homens, mais especificamente da mulher/mãe”.

Segundo Pires da Rosa, aquele direito foi reforçado ainda mais recentemente, desde que a lei portuguesa “abriu as portas ao testamento vital”.

Naquele processo, uma clínica de radiologia de Matosinhos e o seu director clínico foram condenados ao pagamento de uma indemnização de 200 mil euros à mãe do bebé, por erro médico, uma vez que as ecografias não detectaram as deformações do feto.

A mãe pedia também uma indemnização para o bebé, por danos não patrimoniais.

Alegava que, “no interesse” do filho, deveria ter abortado, “evitando a vida de angústia e sofrimento” por que ambos os passam.

O STJ indeferiu esta indemnização, defendendo que, se fosse atribuída, se chegaria à conclusão que, afinal, poderá existir um “direito à não vida”, o que “poria em causa princípios constitucionais estruturantes plasmados” na Constituição, “no que tange à protecção da dignidade, inviolabilidade e integridade da vida humana.

No entanto, o juiz Pires da Rosa votou vencido nesta questão, já que defendia que o bebé tinha direito a ser indemnizado por danos não patrimoniais.

Sublinhou que as ecografias foram efectuadas no âmbito de um contrato celebrado entre uma clínica e uma mulher, “não uma qualquer mulher, mas uma mulher pejada, grávida”.

“A mãe e o seu feto – porque o feto é ainda mãe, enquanto não nascer com vida – foram atingidos no seu direito a poderem optar pelo não nascimento, por uma mesma e única violação contratual”, acrescentou.

Pires da Rosa lembra que a lei permite o aborto até às 24 semanas de gravidez.

“Ou se coloca nas mãos da mãe o direito de o exercer em representação do seu filho, que é ainda um feto, ou se subtrai por completo esse direito ao filho, em nome de cuja dignidade é exercido. Não é possível deixar para o tempo da capacidade do filho um direito que só existe enquanto o filho é ainda feto. Alguém tem que ter a capacidade do exercício do direito no tempo em que o direito pode ser vivido”, refere ainda a declaração de vencido.

Para Pires da Rosa, não tem cabimento considerar que indemnizar o filho é atingir a dignidade da sua pessoa, diminuindo-o na sua condição humana.

“Indignidade será, a meu ver, não lhe possibilitar, pela via indemnizatória, uma quantia que lhe permita suportar o enormíssimo encargo da sua condição, de uma forma mais digna”, defendeu.

Fonte: Público, 26.01.2013, através do blogue jurídico Lei e Ordem.

Reforma da organização judiciária visa maior elasticidade do sistema


O chefe de gabinete da Ministra da Justiça disse hoje, em Faro, que a reforma da organização judiciária está a ser preparada para dar maior elasticidade ao sistema e capacidade de resposta aos cidadãos e não apenas para fechar tribunais.

"Num país como o nosso, não é possível ter um tribunal a cada esquina, e com os recursos escassos que temos, tivemos de aumentar a área territorial de cada tribunal, criar elasticidade dentro do sistema para ter a possibilidade de fazer a correcção de acordo com as procuras que apuradas a cada três anos", explicou à Lusa João Miguel Barros, admitindo que em algumas situações a reforma pode resultar no encerramento de alguns tribunais.

O mesmo responsável disse que a reforma permitirá libertar recursos, que serão canalizados para a especialização, que considerou importante para uma maior eficiência da justiça.

Em declarações à margem de uma conferência que decorreu hoje em Faro e que reuniu a Associação Sindical dos Juízes Portugueses, o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, o conselho Distrital de Faro da Ordem dos Advogados e o Sindicato dos Funcionários Judiciais, João Miguel Barros acrescentou que o que está em causa é a eficiência da justiça portuguesa.

Entre as preocupações elencadas na conferência estiveram dúvidas sobre as garantias de acesso igual à justiça aos cidadãos, independentemente da sua capacidade financeira ou local de residência, a capacidade física dos tribunais existentes para acolherem esta nova reorganização, as transferências de processos durante a implementação da reorganização, a falta de recursos humanos especializados e as condições de trabalho dos profissionais que trabalham na justiça portuguesa.

Em declarações à Lusa, o Procurador da República e presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, Rui Cardoso, disse que a reforma em curso pode ser um momento de viragem na justiça portuguesa em termos de acessibilidade ao cidadão, qualidade, rapidez e transparência.

Recordando experiências realizadas em algumas comarcas, que, desde 2008, apostaram na especialização, Rui Cardoso, disse que o resultado foi um aumento de qualidade e rapidez para o cidadão, apesar do inconveniente de não ser possível ter uma instância especializada em cada local.

"Isto afasta fisicamente as pessoas da justiça, mas depois as pessoas percebem que, apesar desse afastamento físico, é uma justiça mais rápida, com maior qualidade e que só é mais cara na estrita medida da deslocação", referiu.

Contudo, Rui Cardoso admite que ter uma decisão passados seis meses em vez de a ter passados dois anos "é seguramente uma vantagem".

Questionado sobre a igualdade de condições de acesso à justiça para os cidadãos de todos os pontos do país, João Miguel Barros explicou que o sistema que está a ser preparado prevê que o cidadão possa aceder aos processos em qualquer ponto da comarca, mesmo nas secções de proximidade e até enviar documentação necessária à evolução dos processos no local mais próximo da sua residência.

O cidadão poderá ainda assistir audiências a partir de sistemas de videoconferência e "o juiz do processo, juntamente com os advogados podem ir fazer o julgamento nas secções de proximidade", acrescentou João Miguel Barros.

A lei de bases da reforma da organização judiciária foi aprovada na generalidade e está em sede de comissão na Assembleia da República.

Quando for aprovada, a lei de bases terá de ser complementada com outras leis especializadas seguindo-se uma fase de configuração e regulamentação da lei, explicou João Miguel Barros.

Fonte: SOL, 26.01.2013.
 

Comunicado do Conselho Superior da Magistratura


Na sequência de notícias que foram veiculadas na comunicação social relativamente ao caso conhecido como da retirada de sete filhos a uma mãe pelo Juízo de Menores e Família da Comarca da Grande Lisboa Noroeste - Sintra, o Conselho Superior da Magistratura informa que:

1- No processo de promoção e protecção de menores em causa, a decisão que foi tomada funda-se unicamente na existência de perigo concreto e objectivo para os menores, quanto à satisfação das suas necessidades básicas de protecção e de cuidados básicos relativos à sua saúde e segurança.

2- Não foi fundamento da decisão do Tribunal, para aplicação das medidas concretas de protecção, qualquer incumprimento de hipotética obrigação de laqueação das trompas por parte da mãe dos menores.

3- Não se pode, assim, anuir à forma como algumas referências foram feitas em órgãos de comunicação social que, descontextualizadas, ao invés de darem ao público uma informação de modo correcto e verídico sobre o sucedido, permitiram que se criasse uma imagem da decisão judiciária tomada com base em factos ou fundamentações que não correspondem ao que nela se contém.

Lisboa, 25 de Janeiro de 2013

Juízes dizem que perigo foi o único motivo para retirar sete filhos a mãe


Conselho Superior da Magistratura pronuncia-se sobre retirada de filhos a mãe que não cumpriu acordos de protecção. Menores deverão ser entregues para adopção.

O Conselho Superior da Magistratura (CSM) emitiu na noite desta sexta-feira um comunicado sobre o caso da mãe a quem foram retirados, em Junho de 2012, sete dos seus dez filhos e entregues ao cuidado de instituições de acolhimento, tendo em vista a sua futura adopção. Garante que a decisão dos juízes do Tribunal de Sintra “funda-se unicamente na existência de perigo concreto e objectivo para os menores, quanto à satisfação das suas necessidades básicas de protecção e de cuidados básicos relativos à sua saúde e segurança”.

“Não foi fundamento da decisão do tribunal, para aplicação das medidas concretas de protecção, qualquer incumprimento de hipotética obrigação de laqueação das trompas por parte da mãe dos menores”, sublinha o conselho num comunicado onde diz que órgãos de comunicação social fizeram referências “descontextualizadas” ao assunto.

O acórdão de Maio de 2012 do Tribunal de Sintra passa em revista anos de intervenção junto da família de Liliana Melo, cabo-verdiana, a viver em Portugal há 20 anos. E enumera os vários problemas detectados, entre os quais: falta de higiene da casa e das crianças; menores a tomar conta de menores desde tenra idade; gravidez adolescente de duas meninas (uma das quais com 13 anos); vacinas e consultas em atraso; absentismo escolar...

Em 2007 foi feito um primeiro acordo de promoção e protecção. Previa medidas que obrigavam a mãe a vacinar as crianças, tratar da sua higiene, acompanhá-las na escola, assegurar as consultas médicas, supervisioná-las... Em 2009 aditaram-se ao acordo mais medidas, como esta: “A mãe terá que fazer prova do seu acompanhamento no Hospital Fernando Fonseca, no âmbito do seu processo de laqueação de trompas”, lê-se no acordo citado no acórdão pelo colectivo de juízes de Sintra.

Falta tudo, menos afecto

Os juízes citam depois os relatórios da Equipa de Crianças e Jovens (ECJ), que assessora o tribunal e é tutelada pela Segurança Social, que ao longo dos anos vão dando conta de vários incumprimentos por parte da mãe. Mantinham-se vários dos problemas iniciais. A casa não tinha então condições de higiene e segurança. Mas não só. Num relatório de Fevereiro de 2010, diz-se: “A progenitora afirmou que tinha-se inscrito para laqueação das trompas, aguardando chamada, mas o hospital informou que não é verdade que exista qualquer pedido ou inscrição”. Em Agosto de 2010, outro relatório refere que “a progenitora persistia na rejeição à laqueação de trompas”.

A cabo-verdiana, muçulmana, que alimentava os filhos graças, em grande medida, aos produtos do Banco Alimentar, diz que nunca concordou com a laqueação porque a sua religião não permite essa intervenção.

Por fim, no acórdão, analisa-se se “é adequado” retirar as crianças à mãe tendo em vista futura adopção. Os juízes dizem que os factos mostram que há ausência de comida, de higiene, de cuidados de saúde, de supervisão, uma criança não registada, entre outros problemas. Não há maus tratos, e há laços de afecto, mas verifica-se uma impotência da progenitora para prestar os cuidados necessários a um agregado tão numeroso e com um pai ausente.

Diz-se ainda que, “ao contrário do que se havia comprometido no acordo de promoção e protecção, [Liliana] não procedeu à laqueação das trompas e desde a instauração da acção até ao presente nasceram mais quatro menores”. Considera-se que o nascimento dessas crianças agravou a situação económica e de falta de organização da família. Algumas páginas à frente, decide-se retirar sete das crianças à família, com idades entre os sete anos e os seis meses.

Família “disfuncional”

A presidente do Tribunal de Sintra, Rosa Vasconcelos, também prestou hoje declarações à agência Lusa. Diz que as crianças lhe foram retiradas porque a família era “estruturalmente desorganizada”. E que “a laqueação de trompas” não foi “determinada pelo tribunal”. Mais: “Não foi pela senhora não fazer planeamento familiar que as crianças foram institucionalizadas”.

“Fala-se na sentença nisso, mas isso é uma questão incidental, não foi isso que determinou a sentença. Quando muito, isso evitaria o nascimento de outras crianças, não supriria os riscos das existentes”, sustentou.

A Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP), por seu lado, fez um “esclarecimento público”. “A mãe, efectivamente, não procedeu à laqueação das trompas —o que traduziu uma violação de um compromisso assumido em acordo de promoção e protecção”. Mas esse facto, sustenta a ASJP, “não determinou a confiança dos menores a uma instituição por essa razão”.

“É uma família bastante disfuncional a quem durante anos foram dadas várias oportunidades”, acrescentou ainda Rosa Vasconcelos. Mas há “um momento em que o tribunal tem que pôr mão e um travão às situações”.

Também hoje, o presidente da Associação Portuguesa de Bioética, Rui Nunes, afirmou que não se pode impor a laqueação de trompas a uma mulher com capacidade de fazer escolhas livres. A laqueação não deve sequer ser aconselhada a uma mulher, por esta não ter condições para criar os filhos, disse.

“Mesmo que se comprove que uma mãe maltrata os filhos, isso não pode levar a qualquer tipo de pressão para laquear as trompas”, disse, por seu lado, o presidente do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, Miguel Oliveira da Silva. “Em caso algum” esse procedimento médico pode ser “condicionado ou relacionado com a possibilidade de se retirar o poder parental a uma mãe que maltrate os filhos”.

Fonte: Público, 25.01.2013.

Mãe que ficou sem 7 filhos: Cidadãos criam grupo de apoio


O caso de Liliana Melo, a mãe a quem foram retirados para adopção sete dos seus dez filhos, gerou uma onda de indignação, que levou à criação de um grupo de apoio no Facebook.

A iniciativa partiu de Pedro Leite Pereira, um cidadão, que ficou «indignado» com a notícia do SOL e resolveu agir. Começou por escrever ao bastonário da Ordem dos Advogados, Marinho Pinto, e ao líder da comunidade islâmica em Portugal, sheik David Munir. Mas resolveu ir mais longe e criar um grupo no Facebook.

«Sinto que é importante fazer uma coisa, porque é uma situação revoltante», disse ao SOL o criador do grupo ‘Mãe fica sem 7 filhos por recusar laqueação das trompas’, explicando que o principal objectivo foi juntar todas as pessoas que sentiram vontade de ajudar esta mãe e repetir que casos semelhantes se repitam.

Em poucos dias, o grupo conquistou mais de dois mil seguidores, mas Leite Pereira não esconde que gostava de aumentar este número e chegar aos dez mil.

As intenções desta iniciativa estão, de resto, na própria página do Facebook: «O Grupo foi criado com o fim de comentar e apresentar sugestões que permitam ajudar esta mãe. Neste grupo ninguém procura protagonismo, mas todos estamos decididos em juntar esta Família».

Fonte: SOL, 25.01.2013.



Mãe que ficou sem 7 filhos: Famílias Numerosas fazem queixa a juizes


A Associação Portuguesa de Famílias Numerosas (APFN) enviou hoje um pedido ao presidente do Conselho Superior da Magistratura para que se pronuncie sobre a decisão do Tribunal de Sintra que ordenou que sete dos dez filhos de uma mãe muçulmana fossem dados para adopção.

A associação quer perceber os motivos da decisão do Tribunal, tendo em conta o facto de não haver na sentença alusões a maus-tratos e de o incumprimento do acordo de promoção e protecção de menores – que previa a laqueação das trompas da mãe – ser um dos fundamentos invocados para a retirada dos menores.

«Sem prejuízo do respeito pelas decisões jurisdicionais parece-nos muito importante, atendendo às atribuições legais do Conselho Superior de Magistratura, que os portugueses percebam como é possível que um Tribunal de Portugal possa considerar a não laqueação de trompas como uma causa que pode originar a retirada a uma família de sete filhos», lê no texto enviado pela APFN.

A Associação das Famílias Numerosas escreveu também já uma carta aberta ao primeiro-ministro e ao ministro da Segurança Social, Pedro Mota Soares, pedindo que se pronunciem sobre este caso.

Fonte: SOL, 24.01.2013.

PS quer esclarecimentos sobre caso de mãe que ficou sem 7 filhos


As deputadas socialistas Isabel Moreira, Elza Pais e Maria Antónia de Almeida Sá enviaram hoje uma pergunta ao ministro da Segurança Social. Querem saber se Pedro Mota Soares considera que a pobreza por si só é um factor suficiente para retirar filhos para adopção e pedem a opinião do ministro sobre a laqueação de trompas ser proposta num acordo de promoção e protecção de menores.

O caso de Liliana Melo, a mãe muçulmana residente em Sintra a quem retiraram para adopção sete dos seus dez filhos, chocou a deputada do PS Isabel Moreira, que resolveu questionar directamente a tutela sobre a história noticiada pelo SOL.

«Ao abrigo dos meus direitos e deveres como deputada, fiz uma pergunta ao ministro», afirmou ao SOL Isabel Moreira, explicando que um dos objectivos do requerimento enviado se prende com a necessidade de apurar responsabilidades no caso em que a sentença do Tribunal de Sintra sustenta a retirada das crianças com a falta de condições económicas e com o incumprimento da laqueação de trompas prevista no acordo de promoção e protecção de menores proposto pela Segurança Social e homologado pelo juiz.
 
«Questionámos o ministro da tutela no sentido de saber se foi instaurado um processo de inquérito», resume a deputada, que tem sérias dúvidas sobre a legalidade das medidas propostas do acordo, entre elas a necessidade de entregar um comprovativo de emprego e de realizar uma operação para laquear as trompas inviabilizando mais gravidezes à mulher de 34 anos.
 
«Se é altamente inquietante substituir a prestação social do Estado a uma família carenciada pela retirada dos seus filhos menores, não havendo quaisquer alegações, no caso, de maus tratos ou outras circunstâncias justificativas de uma solução que deve ser drástica, é de urgente esclarecimento e de urgente apuramento, a ser verdade, de responsabilidades, da alegada imposição a uma mulher da laqueação das suas trompas como condição de manter os seus filhos (ou do que quer que seja)», lê-se na pergunta enviada a Mota Soares.
 
Por isso mesmo, as três deputadas que assinam o requerimento questionam Pedro Mota Soares sobre a forma como avalia «a possibilidade de impor ou sequer sugerir a uma mulher a sua esterilização».

Fonte: SOL, 24.01.2013

Ficou sem 7 filhos por recusar laqueação de trompas


Liliana Melo ficou sem sete dos seus dez filhos há sete meses. Por ordem do Tribunal de Sintra, as crianças, com idades entre os seis meses e os sete anos, foram sujeitas à medida de protecção de menores mais extrema: dadas à confiança para adopção, perdendo todos os vínculos parentais para sempre.

A sentença determinou que as filhas mais velhas ainda menores, na altura com 16 e 11 anos, ficassem com os pais. Mas o tribunal entendeu que a menor de seis meses, os gémeos de dois anos e os irmãos de três, cinco, seis e sete anos estavam em risco, e resolveu retirá-los de casa.

No processo, não há qualquer referência a maus-tratos físicos ou psicológicos ou a outro tipo de abusos. Na sentença, a que o SOL teve acesso, considera-se mesmo que há laços de afectividade fortes na família e refere-se que as filhas mais velhas têm sucesso escolar e estão bem integradas no seu ambiente social. A decisão do Tribunal de Sintra sustenta-se nas dificuldades económicas da família e no facto de a mãe ter desrespeitado o acordo de promoção e protecção de menores ao recusar-se a laquear as trompas.

Tribunal determinou laqueação de trompas

Esse acordo – proposto pelas técnicas da Segurança Social e homologado pelo juiz – obrigava os pais a tomar uma série de medidas, entre as quais realizar uma operação para não poderem ter mais filhos.

«Tinha de arranjar emprego, zelar pela higiene e vestuário das crianças, assegurar a pontualidade e a assiduidade deles na escola, ter em dia os planos de vacinação e fazer uma laqueação das trompas», conta a mãe, lembrando que deixou claro ao juiz que, por ser muçulmana, não se poderia submeter a essa operação. «O que o juiz me disse foi que tínhamos de deixar em África os nossos hábitos e tradições e que aqui tínhamos de nos adaptar».

Fonte: SOL, 18.01.2013.

terça-feira, janeiro 22

Mais de metade dos deputados acumulam funções no sector privado


Presidente da Comissão de Ética do parlamento acusa alguns colegas de conflito de interesses


Mais de metade dos deputados acumulam funções no setor privado, como consultores ou advogados de grandes escritórios. Por causa disso o Presidente da Comissão de Ética acusa os colegas de conflito de interesses e de transformarem o Parlamento num palco de jogos privados. Mendes Bota, do PSD, diz mesmo que os deputados advogados "assaltaram" os lugares-chave da Assembleia da República.

José Manuel Levy / João Martins / António Nunes

Fonte: RTP on line, 18.01.2013

sábado, janeiro 5

A crise não é desculpa


Uma frase atribuída a Óscar Wilde diz que "a diferença entre a realidade e a ficção é que a ficção faz muito mais sentido".

Olhando para as políticas de justiça que nos últimos anos foram adotadas por vários governos, a frase aplica-se na perfeição: duas reformas da ação executiva culminaram no abismo de mais de um milhão de ações pendentes; um regime de execução de penas que entrou em vigor sem os meios necessários; um regime de recursos, de arguição de nulidades e pedidos de aclaração de decisões que permite que um processo se mantenha artificialmente pendente com o único intuito de obter a prescrição, sem responsabilização do profissional forense que leva a cabo tais práticas; reforma da organização judiciária, engendrada em gabinetes técnicos, que desagradou a todos; um regime processual civil em que o processualismo e a morosidade continuam a predominar; um regime de progressão na carreira que incentiva os juízes a preocuparem-se mais com o que fazem fora dos tribunais. Tudo isto é culpa exclusiva da legislação.
Mudá-la não custa um tostão e por isso a crise não é desculpa.

Jorge Esteves (Juiz de Direito)

Fonte: Correio de Manhã - 05.01.2013