A arbitrariedade lusa a fixar as indemnizações é tal que não alcanço como é que o legislador nunca retirou tal poder aos nossos juizes.
A honra de alguns, quando ferida, é compensada pelos tribunais portugueses com centenas de milhares de euros. Ficamos cientes de que a honra é uma coisa séria… pelo menos em alguns casos.
É que se for exactamente a mesma honra, mas de “qualquer um do povo”, a ser violentada, mesmo que seriamente, mesmo que através de mentiras sórdidas que o desacreditem de vez, mesmo que através de uma bateria de artigos na imprensa durante meses, conseguir 5 ou 6 mil euros já será um feito.
Nestes casos ordinários invoca-se a doutrina mais sábia para justificar que uma injúria, ou uma difamação, são bagatelas penais – daí terem as penas mais pequenas do sistema português…
Três e seis meses de pena de prisão, ou multa, respectivamente. Afinal para o vulgo a honra não é coisa séria. É a igualdade republicana! E quanto aos critérios jurisprudenciais de valoração da honra ferida, ficamos conversados.
Aliás, os critérios dos tribunais portugueses para fixar indemnizações, em geral, são particularmente interessantes, pois funcionam como não critérios: são ao gosto do freguês, sendo aqui o freguês quem arbitra a indemnização.
Se quem quer que seja se vê prejudicado, luta anos a fio nos tribunais, não só contra o réu da acção, mas principalmente contra o julgador, que por princípio desconfia de quem o incomoda com o petitório. E se os danos invocados forem “morais” (como diz o povo), então a luta ainda é mais titânica Sofreu? Zangou-se? Chorou? Deprimiu-se? Ó senhor! Não seja piegas…
Ao fim e ao cabo todos temos por vezes de ver e ouvir o que não queremos, dirá o réu, acolitado pela justiça, desconfiada de que a ofensa não ofendeu assim tanto. E o lesado fica assim com duas dores: a da lesão inicial e a da injustiça com que o sistema judicial o trata ao considerar que fingiu as mágoas alegadas.
A arbitrariedade lusa a fixar as indemnizações é tal que não alcanço como é que o legislador nunca retirou tal poder aos nossos juizes. Fixava em tabela legal o “preço” mínimo de cada tipo de dano “moral”. E tal valor só poderia ser alterado por prova de mais danos. Tal não acontecendo, encontramos vidas humanas a valerem menos que a honra de alguns, a perda de uma perna a ser mais irrelevante que uma unha encravada de outros, a dor de uma grávida que perde o feto menos expressiva que uma atoarda jornalística num pasquim de quinta.
E é aqui mais um ponto em que o sistema falha: só se pode confiar discricionariedade quando há garantias de que não se transforma em arbitrariedade. Só se podem conferir poderes quase ilimitados – e na verdade materialmente incontroláveis, pois os recursos são por regra o que são – a quem se mostra ser prudente. Por isso tremo cada vez que oiço, ou leio, alguém a querer atribuir maiores poderes aos julgadores.
Razão tinham os franceses, na sua Revolução de setecentos: o juiz deve ser a boca que pronuncia as palavras da lei… mais do que isso, digo eu, só com caução.
Saragoça da Matta (Advogado, escreve à sexta-feira)
Fonte: Jornal I, 01.03.2013.