O juiz do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) Pires da Rosa admitiu que há em Portugal um “direito à não existência”, desde que foi aprovada a lei de descriminalização da interrupção voluntária da gravidez.
No acórdão sobre o caso de um bebé que nasceu sem braços e com várias outras deformações, que o impedem para sempre de ter uma vida independente e normal, Pires da Rosa admitiu, “em tese”, o “direito à não existência”.
Um direito que considera existir desde que a lei portuguesa consagrou a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, “colocando a vida, nesses precisos casos, nas mãos dos homens, mais especificamente da mulher/mãe”.
Segundo Pires da Rosa, aquele direito foi reforçado ainda mais recentemente, desde que a lei portuguesa “abriu as portas ao testamento vital”.
Naquele processo, uma clínica de radiologia de Matosinhos e o seu director clínico foram condenados ao pagamento de uma indemnização de 200 mil euros à mãe do bebé, por erro médico, uma vez que as ecografias não detectaram as deformações do feto.
A mãe pedia também uma indemnização para o bebé, por danos não patrimoniais.
Alegava que, “no interesse” do filho, deveria ter abortado, “evitando a vida de angústia e sofrimento” por que ambos os passam.
O STJ indeferiu esta indemnização, defendendo que, se fosse atribuída, se chegaria à conclusão que, afinal, poderá existir um “direito à não vida”, o que “poria em causa princípios constitucionais estruturantes plasmados” na Constituição, “no que tange à protecção da dignidade, inviolabilidade e integridade da vida humana.
No entanto, o juiz Pires da Rosa votou vencido nesta questão, já que defendia que o bebé tinha direito a ser indemnizado por danos não patrimoniais.
Sublinhou que as ecografias foram efectuadas no âmbito de um contrato celebrado entre uma clínica e uma mulher, “não uma qualquer mulher, mas uma mulher pejada, grávida”.
“A mãe e o seu feto – porque o feto é ainda mãe, enquanto não nascer com vida – foram atingidos no seu direito a poderem optar pelo não nascimento, por uma mesma e única violação contratual”, acrescentou.
Pires da Rosa lembra que a lei permite o aborto até às 24 semanas de gravidez.
“Ou se coloca nas mãos da mãe o direito de o exercer em representação do seu filho, que é ainda um feto, ou se subtrai por completo esse direito ao filho, em nome de cuja dignidade é exercido. Não é possível deixar para o tempo da capacidade do filho um direito que só existe enquanto o filho é ainda feto. Alguém tem que ter a capacidade do exercício do direito no tempo em que o direito pode ser vivido”, refere ainda a declaração de vencido.
Para Pires da Rosa, não tem cabimento considerar que indemnizar o filho é atingir a dignidade da sua pessoa, diminuindo-o na sua condição humana.
“Indignidade será, a meu ver, não lhe possibilitar, pela via indemnizatória, uma quantia que lhe permita suportar o enormíssimo encargo da sua condição, de uma forma mais digna”, defendeu.