sábado, dezembro 15

Um novo paradigma judicial


Mais do que mudar as leis, o difícil é mudar mentalidades, envolvendo os magistrados, advogados e funcionários numa nova cultura judiciária, menos pesada e formal.

Tornou-se um lugar-comum dizer que a Justiça está mal. A doença é tão grave que já não bastam paliativos, é urgente uma profunda reforma de um sistema que é rápido numa execução fiscal, mas demora décadas a prender corruptos ou pedófilos. Espalha-se um sentimento de impunidade que contamina a sociedade e asfixia o próprio Estado de direito.

Paula Teixeira da Cruz recebeu um ministério falido e os tribunais numa situação de ruptura. Apesar dos sucessivos planos de "descongestionamento" dos tribunais, de que foi pródigo o anterior governo, as pendências continuam a subir: 1.712.000, no final de 2011. A situação tende a piorar com a crise que aumenta as insolvências e a litigiosidade em geral.

É neste cenário sombrio que temos de olhar para a reforma judiciária aprovada no último Conselho de ministros. As intenções do Governo passam por racionalizar e simplificar o sistema. Vejamos como.

O novo mapa judiciário, além da extiguir tribunais com menos de 250 processos por ano - enfurecendo os autarcas em ano das eleições - agrega os actuais 231 tribunais em apenas 23 comarcas, com sede nas capitais de distrito. A lógica é optimizar os recursos, num único orçamento, secretaria e mapa de pessoal. Cria-se uma nova estrutura de gestão (juiz-presidente, procurador e administrador judiciário) com objectivos anuais fixados e avaliados segundo critérios de eficiência; os desvios terão de ser justificados. Há uma aposta na especialização dos magistrados, dentro de cada comarca, e são reforçados os poderes do juiz na gestão do processo e na luta contra expedientes dilatórios.

Mas a este reforço de poder deve corresponder uma maior exigência. Os magistrados perdem algumas das habituais desculpas sobre a rigidez burocrática da lei. Terão de prestar contas, não só perante os seus pares (CSM), como até aqui, mas sobretudo perante os cidadãos que desesperam por uma Justiça mais rápida.

O novo processo civil, apesar de apostar na desformalização, poderia ter ido mais longe na oralidade e no modelo de sentença simplificada. São positivas a limitação de testemunhas (10) e a obrigatoriedade de uma audiência prévia para fixação do objecto do litígio, provas, testemunhas e datas de julgamento, evitando-se os sucessivos adiamentos que infernizam a vida das pessoas.

Percebem-se as intenções, louva-se a coragem, mas conseguirá a ministra mudar alguma coisa fazendo com que as palavras simplicidade e produtividade entrem finalmente no mundo fechado da Justiça?

As resistências serão muitas. Mais do que mudar as leis, o difícil é mudar mentalidades, envolvendo os magistrados, advogados e funcionários numa nova cultura judiciária, menos pesada e formal. Apesar de se poder ter ido mais longe na reforma dos tribunais superiores, se o Governo aprovar esta reorganização judiciária sem ceder a interesses locais ou corporativos, será uma revolução nos tribunais colocando-os mais aptos a servir os cidadãos e a economia.

Paulo Marcelo, Jurista

Fonte: Diário Económico|27.11.2012