domingo, dezembro 16

OE 2013: Os juízes estão a fazer política, Dr. Marinho Pinto?


1. António Marinho Pinto surgiu, no passado fim de semana, muito indignado. Motivo: os juízes estão a judicializar a política. Significa isto que os mentecaptos (esta qualificação é muito querida a Marinho Pinto) dos juízes estão a levar a política para os tribunais: em detrimento de fundamentarem as suas decisões com uma argumentação baseada exclusivamente em critérios jurídicos, os juízes recorrem a argumentos de índole política. Resumindo, os juízes estão a converter os tribunais em minis- Assembleias da República.

2. O que levou Marinho Pinto a ressuscitar, na actual conjuntura, o tema da promiscuidade entre justiça e política? A ameaça do Presidente da Associação Sindical dos Juízes de promover a fiscalização preventiva das normas constantes do Orçamento de Estado para o próximo ano, designadamente (deduzo eu) as referentes à diminuição dos escalões do IRS e o aumento do IMI. OU seja, as normas que afectam direitos dos portugueses ou, noutra formulação, as medidas que consubstanciam o cerne da austeridade. Os argumentos invocados são a violação do princípio da confiança dos portugueses no sistema fiscal, bem como o desrespeito pelo princípio estruturante do Direito Fiscal português que é o princípio da capacidade contributiva. Ora, Marinho Pinto veio logo contrariar os juízes (o homem tem uma obsessão incontrolável e insaciável para criticar magistrados!), alegando que os princípios invocados têm natureza política - e não jurídica. Logo, a sua discussão é tarefa reservada aos órgãos políticos, não podendo o Tribunal apreciar questões que representam decisões políticas do legislador orçamental. Para Marinho Pinto, a estruturação do sistema fiscal é matéria exclusivamente política - e o princípio da tutela da confiança é algo para ser discutido apenas dentro das portas de São Bento. Tudo isto é, apenas e só, política.

3. O que dizer disto tudo? Bom, começamos por afirmar que Marinho Pinto é uma jornalista - sendo a sua carreira como advogado algo incidental. Ele estudou na Faculdade de Direito de Coimbra, mas logo aí se percebeu (segundo me dizem ex-colegas seus) que não revelava especial vocação para o Direito. Por outro lado, Marinho Pinto estudou Direito ainda na vigência da Constituição do Estado Novo: ora, porventura, os seus mestres de Direito Constitucional ensinaram-lhe que todas as decisões do Estado, para prosseguir os interesses próprios destes, são matérias políticas, subtraídas à fiscalização dos tribunais (máxime à fiscalização do Tribunal Constitucional). Marinho Pinto talvez aprendeu tal lição na década de setenta e nunca mais estudou matérias de Direito Constitucional - eu estou convencido que Marinho Pinto é daqueles que julga que jurídicas são apenas as relações do Código Civil - relações de vizinhos, acções de despejo, condóminos, etc. Além disso, o Tribunal Constitucional foi criado apenas em 1982 - nesse ano, Marinho Pinto já andava distante do estudo do Direito. Proponho, pois, que Marinho Pinto volte a ler a Constituição, nomeadamente a parte que consagra os princípios fundamentais do sistema fiscal português. Se o fizer, vai reparar que a estruturação do sistema fiscal português não é uma questão apenas política: comporta uma dimensão jurídica bastante relevante.

4. Posto isto, cumpre assinalar que, de facto, nos parece que o Governo terá muitas dificuldades para nos convencer que as medidas de redução dos escalões do IRS não violam o princípio segundo o qual os impostos sobre o rendimento têm de ser progressivos e atender aos rendimentos auferidos pelos portugueses. Ora, quer o princípio da progressividade, quer o princípio da capacidade contributiva são princípios constitucionais e, logo, jurídicos: o Tribunal Constitucional poderá fiscalizar o seu respeito pelo legislador. O que os Tribunais - nunca! - poderão fazer é formular juízos de mérito: esta medida não deveria ser adoptada porque há outra melhor. Neste último caso, e só neste, estaríamos perante uma violação do princípio da separação de poderes.

João Lemos Esteves

Fonte: Expresso, 15.10.2012