Não existe uma definição jurídica ou doutrinária, no Brasil, conceituando crime organizado. Apesar de possuirmos duas leis específicas sobre o assunto e sentirmos que ele já está presente em nosso país, quando observamos a situação em que se encontram estados como o Acre, Espírito Santo, Rio de Janeiro e São Paulo. Portanto, já percebemos o seu efeito, mas nem sabemos o que seja ele, pois ainda não foi definido. Com o intuito de esclarecer este assunto, mas sem pretensão de esgotá-lo, abordaremos, aqui, diversas questões a seu respeito.
A lei 9.034, de 3 de maio de 1995, em seu artigo 1º, dizia: "Esta lei define e regula meios de prova e procedimentos investigatórios que versem sobre crime resultante de ações de quadrilha ou bando", dando a entender que crime organizado estava definido no art. 288 do Código Penal, que aduz: "Associarem-se mais de três pessoas, em quadrilha ou bando, para o fim de cometer crimes". Vislumbra-se que bastaria, então, reunirem-se quatro pessoas para cometerem delitos que a legislação brasileira considerava crime organizado.
Percebendo o equívoco, em 11 de abril de 2001, o legislador brasileiro editou a lei 10.217, alterando o artigo 1º e 2º da mencionada lei 9.034/95 e, em seu artigo 1º, dispôs: "Esta lei define e regula meios de prova e procedimentos investigatórios que versem sobre ilícitos decorrentes de ações praticadas por quadrilha ou bando ou organizações ou associações criminosas de qualquer tipo". Mais uma vez, não definiu o que seja crime organizado. Entretanto, quando fala de associação criminosa, percebemos que, nos artigos 14 e 18, inciso III da lei 6.368/76 (anti-drogas) e no artigo 2.ºda lei 2889/56 (que trata do genocídio), que se pode ter uma idéia do que o legislador pretendeu.
A doutrina brasileira ainda não chegou a um termo e não definiu o que é o crime organizado. Nem a própria Organização das Nações Unidas - ONU chegou a um consenso para defini-lo. Mas sabemos que o fenômeno é mundial, sendo notório a atuação da Cosa Nostra na Itália e nos Estados Unidos, e as Tríades na China, a Yakuza no Japão, o Cartel de Medelín na Colômbia, a máfia Russa, dentre outras, que expressam o poder das organizações criminosas. No Brasil, este fenômeno parece ser novo, tomando forma com o "Comando Vermelho-CV" e o "Primeiro Comando da Capital-PCC".
Diante disso, podemos delinear que a principal atividade do crime organizado, em nosso país, é o tráfico de drogas. Estas organizações já conseguiram criar um estado paralelo ao poder estatal. Este é apenas o primeiro passo, o segundo é infiltrar em nossas Instituições, deteriorando suas ações como está acontecendo no Acre e no Espírito Santo.
Os Estados Unidos admitem que consomem 70% de toda produção de drogas ilícitas no mundo e colocam o Brasil como segundo colocado no mercado consumidor. Por outro lado, afirmam que atualmente nosso país funciona como um corredor de exportação de drogas, sendo que aqui pouco se produz.
Apesar disso, a nossa política interna de combate ao narcotráfico é pífia, pois ainda rotulam o usuário como criminoso e reprimem o tráfico de maneira micro como, por exemplo, prendendo um traficante na porta de uma escola hoje, sabendo que amanhã as associações criminosas colocarão outro no mesmo local.
Outras formas de manifestação do crime organizado, no Brasil, é a corrupção generalizada que produz o tráfico de influência em nossas Instituições, bem como o contrabando, o tráfico de armas de fogo, furtos e roubos de automóveis e de cargas.
Atualmente o "filão moderno" das organizações criminosas é o tráfico de órgãos e tecidos, situação que o governo brasileiro parece desconhecer ou não admitir, pois o crime organizado é transnacional, sendo que, recentemente, uma ONG de direitos humanos denunciou a existência de um navio médico, equipado com centro cirúrgico de propriedade da máfia Russa, movimentando-se em águas internacionais, levando a crer que as denominadas filas para transplantes de órgãos não estão sendo obedecidas, pelo menos para as pessoas ricas.
Os milionários, quando necessitam de córneas, rins, fígados, pulmões, corações ou qualquer outros órgãos, tecidos e substâncias humanas para transplantes, basta recorrerem ao crime organizado, que facilmente "arrumam" um miserável africano ou asiático e dele adquirem o órgão necessitado quando possível.
No caso de órgãos vitais, retiram o órgão e a vida desse "doador", que é quase sempre seqüestrado.
Com o advento das novas drogas de anti-rejeição, fazer um transplante clandestino é somente questão pecuniária a ser acertada. Os "corretores de órgãos" já estão presentes na América Latina, mormente em nosso país, onde, ao que se sabe, compram determinado órgão para o transplante em alguma pessoa que disponha de dinheiro para arcar com os altos custos dessa atividade criminosa.
Diante dos exemplos citados, podemos conceituar o crime organizado como sendo uma atividade de grupo, estável, permanente, disciplinada e estruturada, tendo por fim obter proveito econômico, através de uma atividade criminosa, a longo termo e contínua, conduzida além das fronteiras nacionais, gerando proveitos que são disponibilizados para fins lícitos.
Combater este flagelo não é tarefa fácil, devendo ser uma atividade inteligente, começando por desestabilizar o poder econômico de uma organização ou associação criminosa, pois sem dinheiro elas não têm como se propagar.
Em segundo lugar, é preciso integrar todos os órgãos estatais (Federal, Estadual e Municipal), com o intuito de combate preventivo e repressivo a esta modalidade criminosa, devendo-se trabalhar de maneira harmônica e integrada, e não "cada um por sua conta", como acontece atualmente.
Deve existir ainda, uma cooperação internacional contra essa "epidemia", pois se trata de um problema mundial.
Urge serem tomadas medidas concretas contra o crime organizado em nosso país. A criação das denominadas forças-tarefas de nada adianta contra esse mal, pois além de não serem constantes, conseguem apenas abaixar os índices de criminalidade onde estão atuando. Combater o crime organizado é tarefa árdua e deve ser permanente, pois, caso contrário, seu alastramento tende a tornar inoperantes nossas Instituições.
Fica o alerta para os nossos novos governantes de que o problema já existe, mas ainda estão faltando soluções contínuas e estáveis.
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Antônio Carlos de Lima
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Revista Consultor Jurídico, 20 de setembro de 2002
Revista Consultor Jurídico, 20 de setembro de 2002
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