quinta-feira, abril 17

Parlamento discute exclusividade dos deputados


O Parlamento discute hoje um projecto do BE que exige aos deputados o exercício da função em exclusividade. Dos 230 deputados, a maioria já o faz.

Segundo dados remetidos ao SOL pelo Gabinete do Secretário-Geral da Assembleia da República, ascende a 124 o número de deputados que exercem o cargo em regime de exclusividade.

E quem opta por ser exclusivamente deputado tem direito a receber mais 10% do vencimento bruto em ajudas de custo, de acordo com o Estatuto Remuneratório dos Titulares de Cargos Políticos. Mais 325,88 euros por mês.

O BE quer impor a exclusividade aos deputados, enquanto o PCP propõe mais restrições. Iniciativas já apresentadas em sessões legislativas anteriores e que terão o mesmo destino: o chumbo.

PSD e CDS têm rejeitado alterações «pontuais» à organização do sistema político. «Estamos a lidar com matérias da maior responsabilidade e discordamos frontalmente de uma discussão medida a medida, que não vai resolver nada, ainda mais em período eleitoral, que é o pior período para uma discussão séria», explica ao SOL Fernando Negrão. O deputado social-democrata frisa que o partido quer discutir o sistema político como um todo e que tem feito propostas nesse sentido. E ressuscita o tema da redução do número de deputados. «Uma prioridade», diz, explicando: «Na Constituição há um número mínimo e máximo de deputados. Porque não se discute estarmos há 40 anos com o número máximo?»

Contudo, entre os deputados da maioria, há quem defenda a exclusividade. «Não resolveria todo o problema da credibilização da classe política. Mas era um passo importante. Só que não há vontade política», admite o Presidente da Comissão de Ética do Parlamento, Mendes Bota.

Já o PS também recusa uma discussão «avulsa e desintegrada», a pouco tempo de eleições. «O PS tem vários projectos de lei preparados com alterações ao sistema político e eleitoral, mas não os vamos apresentar em vésperas de eleições», afirma o deputado socialista, José Magalhães.

Fonte: SOL, 17.04.2014

terça-feira, abril 1

A simplicidade de análise e as contra-ordenações


Poucos terão noção da distinção entre crime e contra-ordenação. Poucos conhecerão a sua história, e aquilo em que as contra-ordenações se tornaram. Mas a propósito de caso com projecção mediática desferem-se violentos ataques à justiça portuguesa. Vamos por partes. As contra-ordenações nasceram em 1979 mas o seu regime (ainda hoje aplicável) data de 1982.

O princípio básico era, à época, relativamente simples de enunciar: importava tutelar "uma área em que as condutas, sem constituírem ofensas graves aos bens essenciais da vida em comunidade, são, apesar disso, merecedoras de sanção". Foi esta frase que o legislador escreveu em 1989 quando fez a primeira revisão ao regime geral. Havia um "movimento de descriminalização" e esse movimento era um sinal da "moderna política criminal". Ou seja, porque nem tudo podia ser crime, criou-se um regime para punir coisas mais simples, menos graves. Mas o legislador descontrolou-se (ou deixou que o descontrolassem) e muita coisa que não deveria ser (não poderia ser!) contra-ordenação passou a ser qualificada como tal. A determinada altura desta história passou a admitir-se com grande facilidade que se aplicassem multas de milhões. Multas muitas vezes superiores às multas penais mas aplicadas com um regime simplificado. Como diria o outro, "só para facilitar".

O legislador deixou que fossem qualificadas como contra-ordenações as condutas "menos graves" mas também as "muito graves" e aquelas que agora são agora consideradas "gravíssimas". Só que o regime estava (e está) preparado para coisas mais pequenas, coisas que não causavam tanto impacto social. O legislador foi deixando correr a maré, despreocupado, mas cuidando de multiplicar o âmbito das contra-ordenações.

Há hoje contra-ordenações rodoviárias, ambientais, de concorrência, de supervisão e de regulação entre tantos outros domínios. Matérias de grande complexidade mas todas tratadas "na mesma moeda" como se um excesso de velocidade se tratasse. E com regras adaptadas a essa simplicidade. Incluindo as regras de prescrição. Por esse motivo, aliás, e por se tratar de matéria simples que não interessava muito, o legislador mexeu no regime 5 vezes desde 1982. Mas o Processo Penal foi alterado 20 vezes. E no mesmo período fez um novo Código Penal e introduziu-lhe 29 alterações... Talvez seja uma questão de prioridade. Ou uma inconsciência total e absoluta.

Como é evidente o regime das contra-ordenações tem problemas gravíssimos de aplicação, de adequação e de proporcionalidade. Não apenas um. Muitos. É difícil, aliás, escolher em que ponta começar. Mas agora que a discussão vem a lume, procuram-se culpas e responsabilidades. Talvez o problema não esteja numa árvore ou num processo. Numa decisão ou numa interpretação. O problema vem desse descontrole legislativo e na mania, que começou nos anos 90, em simplificar na justiça, aquilo que é por definição complexo. Pode ser que o debate se inicie com a necessária ponderação. Mais do que rever apenas uma ponta do regime importa ver se tudo isto faz sentido. Se o regime que pune o excesso de velocidade serve, afinal, para punir condutas que no debate público são consideradas tão graves e infames e cujas sanções podem, afinal, não ter limites pecuniários.

Paulo Farinha Alves
(Advogado, especialista em direito penal e sócio da PLMJ)

Fonte: Jornal de Negócios on line, 30 de Março de 2014