Estou a escrever este texto antes da realização oficial da abertura do ano judicial. Desconheço, pois, o teor das intervenções que vão ser proferidas nesta cerimónia.
Mas, como sabem, já nela participei, umas vezes em silêncio e outras vezes discursando. Devo confessar que, em todas essas ocasiões, fiquei com uma sensação de "desconforto".
Sei que se trata de uma "tradição", mais do que isso, de uma sessão cuja realização está prevista na lei. É uma "festa da justiça". Mas parece que ficamos sempre à espera de mais! Mais do que discursos, mais do que meras afirmações, previsões e, nalguns casos, críticas que nesta cerimónia normalmente são produzidas.
Terminada a "abertura", encerrados os discursos e os cumprimentos, nada mais acontece. É uma sensação de vazio consequencial!
Pergunto-me, neste ano, se é possível mais... Não creio. Mas creio que, pelo menos, é legítimo pensar sobre o que poderia ser e representar esta cerimónia de tanto "peso" institucional e em que estão presentes todos e os mais altos responsáveis pela política de justiça no nosso país.
A justiça, neste momento, está "apaziguada". Segundo notícias veiculadas pela comunicação social, estão em curso reformas, nomeadamente do processo civil e do mapa judiciário, relativamente às quais parece haver algum consenso junto dos respectivos operadores judiciais. Bom trabalho da ministra da Justiça!
É claro que este consenso deve ser entendido nos seus precisos termos. Sempre haverá críticas e novas propostas. Sobretudo se pensarmos que, no primeiro caso, vai ocorrer uma profunda mudança de paradigma na aplicação do processo.
O juiz controlador/coordenador/gestor da tramitação processual do velho código de Alberto dos Reis parece que vai passar a ser o pivô central do processo.
Trata-se de uma solução para os novos tempos e para a nova cultura, nomeadamente de todos os que nela intervêm. O problema é saber se esta profunda mudança de filosofia é susceptível de ser apreendida e aplicada agora e sem mais.
Recordo que os anteriores códigos de processo levaram mais de um ano antes da respectiva entrada em vigor. Era necessário preparar os agentes e dotar de meios as instituições.
A afirmação da importância desta reforma exige que a sua aplicação, no tempo e no modo, possa ser realista, ou seja, possa ser posta em prática, apenas e logo que estejam verificadas as condições para o efeito. As reformas na justiça não são, como alguns pensam, de aplicação imediata e rápida. Sei do que falo, por experiência vivida!
Se da abertura do ano judicial resultar que, neste âmbito, vai ser possível, do ponto de vista "operacional", revisitar o problema e verificar se estão preenchidas todas as condições para que o código, que assimila novos paradigmas e filosofia, possa com toda a segurança e certeza entrar em vigor no tempo certo, a meu ver seria um bom resultado desta cerimónia.
É que, não posso deixar de sublinhar, persiste uma ideia bastante perigosa que pode pôr em causa os princípios fundamentais do sistema jurídico, que são os da certeza e segurança jurídica. Cada vez que um problema, uma situação, um caso parecem não ter solução, logo vem a resposta: faz-se uma lei!
Estamos... Portugal está "pleno" de leis. Temos, todos o dizem, dos melhores sistemas normativos da Europa. Mas também todos o dizem e, sobretudo, sentem que não temos um sistema normativo perene, certo e seguro.
Tem mudado ao sabor das políticas, dos "casos" das "insuficiências" das "ditas omissões" legislativas, da mediatização, da falta de enquadramento legal, enfim... uma panóplia de razões que habitualmente são invocadas, não para melhorar, aperfeiçoar, corrigir, dotar de meios e recursos os operadores, mas, ao contrário, para fazer mais uma lei!
Não é de mais leis que precisamos. Precisamos de aplicar e aplicar bem as leis que existem. E quanto mais existem, menos boa é a sua aplicação!
Se os discursos proferidos abordarem também esta problemática, pela minha parte, diria que a cerimónia terá cumprido a sua missão!
Celeste Cardona
Fonte: Diário de Notícias de 31.01.2013