segunda-feira, fevereiro 18

Momentos infelizes


No exercício de cargos do Estado exige-se prudência. A afirmação da PGR no Parlamento, de que "poderia introduzir-se um mecanismo de maior sanção disciplinar quando os juízes não cumprissem prazos além dos 3 ou 6 meses" e que, "sempre que houvesse um atraso destes, haveria abertura de um inquérito", representa um momento infeliz neste seu ainda curto mandato.

Infeliz, por provir de quem sabe que os juízes são inspeccionados periodicamente e que os atrasos são elemento determinante, levando à instauração de processos disciplinares, sujeitos a um controlo do CSM.

Infeliz, porque é dito por quem sabe que os atrasos na Justiça não derivam, em regra, da actuação dos juízes, e que, segundo as palavras do insuspeito Prof. Nuno Garoupa, se a Justiça ainda anda é porque os juízes a carregam às costas.

Infeliz, porque num momento de reformas era desejável tranquilidade, expurgada de afirmações capazes de reacender divergências.

Infeliz, porque parece centrar as problemáticas existentes na Justiça numa única classe, excluindo as demais.

Sousa Pinto, Vice-presidente TRL

Correio da Manhã 16-02-2013 (via IN VERBIS)

domingo, fevereiro 17

Os atrasos dos juízes


As sondagens nacionais têm revelado que os juízes e os magistrados do Ministério Público chegam a ultrapassar pela negativa, em níveis de popularidade, os políticos (que tra- dicionalmente detinham os piores resultados). Uma das causas desta má reputação da nossa Justiça, que afeta a imagem do próprio Estado de Direito, é a morosidade dos processos judiciais.

Uma Justiça que se arraste para além de um horizonte temporal razoável deixa de ser justa. Esta afirmação vale tanto em matéria civil como em matéria penal. Tal como observava o Barão de Montesquieu, há já perto de trezentos anos – em ‘Do espírito das leis’ –, muito mais importante do que a gravidade das penas é a certeza e a celeridade da punição.
É neste contexto que se compreende a proposta feita pela Procuradora-Geral da República, no âmbito de uma audição parlamentar sobre a reforma do Código de Processo Civil. Segundo essa proposta, deveria instaurar-se um processo pré-disciplinar de averiguações ou inquérito sempre que os juízes excedessem em mais de três ou seis meses prazos processuais.
É claro que a proposta de instauração automática de um processo pressupõe, no entanto, uma relativa ineficácia das inspeções a que são sujeitos os juízes. Essas inspeções deveriam ser, na verdade, a sede própria para detetar atrasos processuais e apurar as suas causas, determinando, sempre que isso se justificasse, o apuramento de responsabilidades.
De todo o modo, a automaticidade não pode permitir, em caso nenhum, a instauração de processos disciplinares ou a punição de juízes de acordo com um princípio de responsabilidade objetiva e abstraindo da sua responsabilidade pessoal pelos atrasos. Tal solução violaria gravemente o princípio da culpa, decorrente da essencial dignidade da pessoa humana.
Por outro lado, pior ainda do que a morosidade processual seria a precipitação e a arbitrariedade no julgamento dos processos. Sem pactuar com atrasos injustificados e violações grosseiras do dever de zelo, devemos reconhecer que a "pressa" é má conselheira. Julgamentos "sumários" e sentenças irrecorríveis estão na origem de conhecidas iniquidades.
Por esta razão, é muitíssimo duvidosa, por exemplo, a solução de alargar o processo sumário a todos os crimes. Pode um crime com a gravidade do homicídio qualificado, por exemplo, ser julgado sem fase de inquérito e por um só juiz, mesmo que haja flagrante delito – que, entre nós, abrange detenções feitas por quaisquer pessoas em flagrante delito presumido?

Fernanda Palma, Professora Catedrática de Direito Penal


Fonte: Correio da Manhã de 17.02.2013

quarta-feira, fevereiro 6

Críticas internas são «bota abaixismo eleitoralista»


Disse o Bastonário da Ordem dos Advogados, Marinho Pinto.

O bastonário da Ordem dos Advogados (OA) classificou esta terça-feira de «bota-abaixismo eleitoralista» as críticas que foram feitas pelo facto de a Ordem ter solicitado um parecer, sobre a questão dos Estatutos da classe, a um conhecido escritório de advogados de Lisboa.
 
«São críticas oportunistas que se inserem no bota abaixismo eleitoralista de alguns proto-candidatos a bastonário», disse Marinho Pinto aos jornalistas, à saída da Comissão Parlamentar de Assuntos Constitucionais, onde foi ouvido sobre a proposta de reforma do Código de Processo Civil.
 
Marinho Pinto salientou que «não vai divulgar publicamente», pela comunicação social, o custo do parecer, mas esse dado constará dos documentos da OA, que podem ser consultados por qualquer advogado.
 
O bastonário precisou que o pedido foi feito a um advogado do escritório da sociedade de Sérvulo Correia, e considerou o ruído nos jornais, que isso provocou, um «bota abaixismo eleitoralista de pessoas que têm mais ambições do que ideias» e que utilizaram essa questão para «aparecer» na comunicação social.
 
Quanto ao recente pedido do Conselho Distrital de Lisboa (CDL) da OA para a convocação, pelo Conselho Geral (presidido pelo bastonário), de uma assembleia geral extraordinária para discutir a alteração estatutária da classe, Marinho Pinto enfatizou que só o Conselho Geral e o Congresso dos Advogados têm competência para discutir os Estatutos, e que a Assembleia Geral não possui essa competência, pelo que seria «ilegal».
 
«O Congresso é o principal órgão da OA», sublinhou Marinho Pinto, que anteviu que o Congresso se possa vir a realizar em Junho. «Vamos ver quem tem medo do Congresso», disse.
 
Na última quinta-feira, o presidente do CDL da OA, Vasco Marques Correia, considerou que o anteprojeto de Estatuto da Ordem «menoriza a advocacia portuguesa» e «não resolve a magna questão do acesso à profissão».
 
Fonte: TVI, 06.02.2013

sábado, fevereiro 2

Justiça


Com a abertura de mais um ano judicial, o desejo de pôr fim à impunidade na Justiça sobe de tom. Esta tem sido, aliás, uma das bandeiras da ministra Paula Teixeira da Cruz: acabar com os truques legais que permitem o adiamento ‘ad aeternum’ das decisões judiciais.

A justiça só é completa quando célere e, sendo esta uma das funções primordiais do estado, a sua concretização é indispensável.

Ora, este é o grande problema com que nos deparamos: para a classe política, predominantemente socialista, a Justiça perdeu para as políticas económicas a primazia entre as funções do estado. Um Estado interventivo tem de regulamentar e impor regras. Ao fazê-lo, e na medida em que decide, sujeita-se às pressões dos grupos que dependem das suas deliberações.

A pressão na elaboração das lei torna-se insuportável e, em vista de a ninguém querer desagradar, transforma-as numa amálgama de preceitos, tantas vezes contraditórios e de nulo efeito, devido aos que sabem encontrar o pretexto que as neutralize. A impunidade de que tantos falam na Justiça nasce daqui: do excesso de leis, que advém da escolha dogmática do Estado ser um actor principal em todas as áreas. Alargando as suas funções, o Estado deixou-se manietar e esqueceu a importância de fazer leis gerais e abstractas. Simples e isentas.

Outra causa são as barreiras no acesso às profissões jurídicas. Ao contrário de outrora, um advogado não foi magistrado, nem este advogado ou notário. Um juiz é juiz desde os 25 anos. A falta de troca de experiências tolhe o conhecimento e as leis reflectem isso mesmo: falta de sensibilidade para as diferentes perspectivas do Direito. Os campos estão de tal forma fechados, que as leis se tornam deficientes por não abarcarem todas as suas possíveis aplicações; não terem em conta as diferentes perspectivas de quem as utiliza. Este estancamento das profissões jurídicas impede o fluir da experiência, hostiliza-as umas contras as outras e explica em muito a falta de qualidade das leis.

André Abrantes Amaral, Advogado.

Fonte: Diário Económico, 01.02.2013.

Mapa judiciário - Justiça em contentores



Paula Teixeira da Cruz quer fazer obras de requalificação em 102 tribunais. Enquanto decorrerem as obras, alguns dos tribunais vão funcionar em prefabricados.
Concluídas até ao final do ano, a tempo da implementação do novo mapa judiciário, que ocorrerá em janeiro de 2014 na maior parte das comarcas, estarão as intervenções em 76 edifícios, ficando apenas as de maior envergadura para terminar depois.
Enquanto as obras decorrerem, alguns serviços judiciais funcionarão em prefabricados, uma solução que, ao que a VISÃO apurou, está a ser equacionada para as comarcas de Bragança, Castelo Branco, Évora, Faro, Leiria, Funchal, Portalegre, Setúbal e Vila Real.
Mas também casos, como os de duas secções do Tribunal de Família de Coimbra e do Palácio da Justiça de Évora, que continuarão a funcionar no mesmo local, com as obras a decorrer. Já em dezembro, durante as Jornadas para a Transparência na Justiça, Paula Teixeira da Cruz anunciara um investimento de 29 milhões de euros na requalificação dos tribunais.
A ministra da Justiça falou então em 86 obras necessárias devido ao mau estado de conservação das instalações. «Temos orçamento, apesar das dificuldades», avançou na altura, sublinhando que essas obras se destinam a evitar «desperdício de dinheiros na construção de tribunais em locais onde não se justificam».
Também no final do ano passado, um relatório da Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP) dava conta das más condições de higiene e segurança de alguns tribunais de 1ª instância, sobretudo no Norte do País.
Mouraz Lopes, o presidente da ASJP, considera a instalação provisória em prefabricados «uma situação normal» dada a sua natureza «transitória e conjuntural» e dá o exemplo do Tribunal do Montijo, o qual esteve até há pouco a funcionar em circunstâncias semelhantes.
Também no entender do presidente do Sindicato dos Funcionários Judiciais, as intervenções são necessárias para implementar o novo mapa judiciário. «Vai haver uma revolução total do País e julgo que deverá ser em função disso que as obras serão realizadas», afirma Fernando Jorge.
Contactado pela VISÃO, o gabinete da ministra diz que o grupo de trabalho incumbido de definir o calendário das obras ainda não acabou o seu estudo, mas as de maior vulto serão nas comarcas do Funchal, Castelo Branco, Vila Real, Loures, Faro e Setúbal.

Sara Belo Luís | Visão | 31-01-2013

Fonte: Revista Digital IN VERBIS

A abertura do ano judicial


Estou a escrever este texto antes da realização oficial da abertura do ano judicial. Desconheço, pois, o teor das intervenções que vão ser proferidas nesta cerimónia.
Mas, como sabem, já nela participei, umas vezes em silêncio e outras vezes discursando. Devo confessar que, em todas essas ocasiões, fiquei com uma sensação de "desconforto".
Sei que se trata de uma "tradição", mais do que isso, de uma sessão cuja realização está prevista na lei. É uma "festa da justiça". Mas parece que ficamos sempre à espera de mais! Mais do que discursos, mais do que meras afirmações, previsões e, nalguns casos, críticas que nesta cerimónia normalmente são produzidas.
Terminada a "abertura", encerrados os discursos e os cumprimentos, nada mais acontece. É uma sensação de vazio consequencial!
Pergunto-me, neste ano, se é possível mais... Não creio. Mas creio que, pelo menos, é legítimo pensar sobre o que poderia ser e representar esta cerimónia de tanto "peso" institucional e em que estão presentes todos e os mais altos responsáveis pela política de justiça no nosso país.
A justiça, neste momento, está "apaziguada". Segundo notícias veiculadas pela comunicação social, estão em curso reformas, nomeadamente do processo civil e do mapa judiciário, relativamente às quais parece haver algum consenso junto dos respectivos operadores judiciais. Bom trabalho da ministra da Justiça!
É claro que este consenso deve ser entendido nos seus precisos termos. Sempre haverá críticas e novas propostas. Sobretudo se pensarmos que, no primeiro caso, vai ocorrer uma profunda mudança de paradigma na aplicação do processo.
O juiz controlador/coordenador/gestor da tramitação processual do velho código de Alberto dos Reis parece que vai passar a ser o pivô central do processo.
Trata-se de uma solução para os novos tempos e para a nova cultura, nomeadamente de todos os que nela intervêm. O problema é saber se esta profunda mudança de filosofia é susceptível de ser apreendida e aplicada agora e sem mais.
Recordo que os anteriores códigos de processo levaram mais de um ano antes da respectiva entrada em vigor. Era necessário preparar os agentes e dotar de meios as instituições.
A afirmação da importância desta reforma exige que a sua aplicação, no tempo e no modo, possa ser realista, ou seja, possa ser posta em prática, apenas e logo que estejam verificadas as condições para o efeito. As reformas na justiça não são, como alguns pensam, de aplicação imediata e rápida. Sei do que falo, por experiência vivida!
Se da abertura do ano judicial resultar que, neste âmbito, vai ser possível, do ponto de vista "operacional", revisitar o problema e verificar se estão preenchidas todas as condições para que o código, que assimila novos paradigmas e filosofia, possa com toda a segurança e certeza entrar em vigor no tempo certo, a meu ver seria um bom resultado desta cerimónia.
É que, não posso deixar de sublinhar, persiste uma ideia bastante perigosa que pode pôr em causa os princípios fundamentais do sistema jurídico, que são os da certeza e segurança jurídica. Cada vez que um problema, uma situação, um caso parecem não ter solução, logo vem a resposta: faz-se uma lei!
Estamos... Portugal está "pleno" de leis. Temos, todos o dizem, dos melhores sistemas normativos da Europa. Mas também todos o dizem e, sobretudo, sentem que não temos um sistema normativo perene, certo e seguro.
Tem mudado ao sabor das políticas, dos "casos" das "insuficiências" das "ditas omissões" legislativas, da mediatização, da falta de enquadramento legal, enfim... uma panóplia de razões que habitualmente são invocadas, não para melhorar, aperfeiçoar, corrigir, dotar de meios e recursos os operadores, mas, ao contrário, para fazer mais uma lei!
Não é de mais leis que precisamos. Precisamos de aplicar e aplicar bem as leis que existem. E quanto mais existem, menos boa é a sua aplicação!
Se os discursos proferidos abordarem também esta problemática, pela minha parte, diria que a cerimónia terá cumprido a sua missão!

Celeste Cardona

Fonte: Diário de Notícias de 31.01.2013