Se algum arguido perigoso foi libertado, isso demonstra que se teria justificado o aceleramento prévio do processo.
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Tem sido atribuída à revisão do Código do Processo Penal pela Assembleia da República a libertação generalizada de criminosos. Existe alguma verdade sob o manto desta fantasia?
Os prazos máximos da prisão preventiva foram encurtados apenas em alguns meses. Esta medida foi recomendada, em 2003, pelo Congresso da Justiça e, desde então, proposta por sucessivos Governos. Mas o prazo máximo da prisão preventiva para pessoa já condenada em duas instâncias (por acórdão não transitado em julgado) aumentou de três ou quatro anos para metade da pena. Num crime punível com 25 anos, a prisão preventiva pode ser agora de 12 anos e meio. Por outro lado, a prisão preventiva só abrangerá crimes puníveis com pena superior a cinco anos. Também aqui se atendeu às conclusões do Congresso da Justiça e ao consenso político gerado.
Porém, nos casos de criminalidade violenta, organizada e terrorismo, que abrangem um vasto conjunto de crimes, não foi alterado o anterior limite de três anos. E o mesmo sucederá quando for violada a obrigação de permanência na habitação.
A nova lei pretende aumentar a celeridade processual, dar prioridade à criminalidade grave e limitar a prisão preventiva ao mínimo indispensável. Tal como diz a Constituição, a prisão preventiva é excepcional e pressupõe o esgotamento das outras medidas.
Quem entender que a prisão preventiva se deve estender pelo tempo necessário à descoberta da verdade, fazendo recair sobre um presumível inocente as dificuldades da investigação, discordará das alterações. Não lhe repugnaria até que, em casos complexos, o arguido esperasse indefinidamente na prisão pelo desfecho do processo.
A aplicação da lei nova mais favorável aos casos pendentes é imediata, por força da Constituição. Nos restantes casos poderá prevalecer a lei anterior mais favorável. Uma eventual libertação decorrerá aí da lei antiga.
Todos os magistrados conhecem os problemas da sucessão de regimes. Além disso, os órgãos que coordenam as magistraturas talvez pudessem ter organizado, antes das férias judiciais, um plano de acção eficaz. Tendo-se gerado o consenso democrático, o sistema judicial deveria ter feito um esforço de adaptação. Se algum arguido perigoso foi libertado, isso demonstra que se teria justificado o aceleramento prévio do processo. Agora, a pior solução seria suspender a vigência da lei, o que não impediria a sua aplicação por ser mais favorável.
Qualquer magistrado deverá ser forte como Hércules, no dizer de Dworkin, e não um arauto do alarme social. Como refere Montesquieu, o seu poder é “nulo” – cabe-lhe decidir segundo a lei democrática e constitucional.
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Fernanda Palma, Professora catedrática de Direito Penal
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(Publicado no "Correio da Manhã" de 23.09.2007)