A investigadora Ana Rita Gil considera que parte da lei de estrangeiros portuguesa está em “contracorrente com a União Europeia”, permitindo a regularização a quem está ilegalmente, o que pode alimentar discursos populistas anti-imigrantes na campanha eleitoral.
“Estes artigos, cada um com os seus requisitos, permitem, de facto, que uma pessoa entre ilegalmente, com visto de turista e não munida dos documentos necessários para o efeito, e depois vá ficando, vá trabalhando e, passado um ano com descontos, peça a regularização”, afirmou a docente do Lisbon Public Law (Centro de Investigação em Direito Público da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa).
Por causa deste quadro legal, “já noto um discurso a começar a surgir na população de reação dos portugueses ao aumento exponencial da imigração”, disse.
“É claro que se diz que os emigrantes contribuem muito para a segurança social”, mas “a habitação, os hospitais e os serviços públicos não são infinitos” e “as capacidades de acolhimento materiais não se esticam”, salientou a investigadora.
“Eu acho que isto vai ser um tema de campanha” eleitoral e “tenho algum receio que isto leve a uma subida da extrema-direita ou dos discursos mais extremistas”, considerou Ana Rita Gil.
O artigo 88 da lei de estrangeiros permite autorizações de residência a cidadãos de outros países que tenham entrado de modo legal em Portugal, através de uma manifestação de interesse, desde que tenham “contrato de trabalho celebrado nos termos da lei e estejam inscritos na segurança social”. E o artigo seguinte trata da “autorização de residência para exercício de atividade profissional independente ou para imigrantes empreendedores”.
Estes dois artigos permitem a qualquer estrangeiro que tenha entrado como turista se possa candidatar a autorizações de residência desde que, no prazo do visto, tenha começado a trabalhar para uma empresa a Portugal. Esta situação é, segundo vários especialistas, o motivo do volume elevado de processos pendentes de regularização, estimados em 300 mil pedidos.
Na lei atual, “nós criámos o visto de procura de trabalho para tentar incentivar as pessoas a virem logo legalmente, só que depois não nos lembramos que os nossos consulados não têm pessoal suficiente e também não estão a conseguir dar resposta” aos pedidos, pelo que “as pessoas acabam por preferir continuar a vir ilegalmente”.
E depois, em Portugal, “as pessoas ficam sujeitas a situações de exploração” pelo que a prioridade do Estado deveria “ser reforçar incentivos a virem logo legalmente”, em vez de entrarem de modo irregular.
Integrado na União Europeia, “Portugal não tem muita liberdade para fazer muita coisa” na lei de estrangeiros, salientou a jurista, considerando que o “artigo 88 e o artigo 89 foram criação peregrina do Estado português”, completamente em “contracorrente com o resto da União Europeia, que “desde 2008 está a dizer que não há regularizações em massa”.
E também “estamos em contracorrente com esta autorização CPLP [Comunidade dos Países de Língua Portuguesa], com o processo de incumprimento na União Europeia por causa disto, porque demos esta autorização para acabar com os atrasos [dos processos] e nós não temos propriamente competência para criar autorizações de residência como modelos que não são reconhecidos no espaço Schengen”.
Porque “nós não podemos inventar visto sozinhos”, resumiu.
Estes artigos vão contra “o histórico de decisões do Conselho Europeu” que tem feito recomendações contra este tipo de medias que geram um “efeito de chamada” de imigrantes que buscam a Europa para um estado-membro mais permissivo, acrescentou ainda.
Fonte: Executive Digest com Lusa