sábado, fevereiro 18

MAPA JUDICIÁRIO

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Foi há poucos dias tornado público o denominado “Ensaio para a reorganização da estrutura judiciária”, vulgarmente conhecido como o novo mapa judiciário.
Encheu páginas de jornais, foi objeto de inúmeras notícias televisivas e de comentários de todos os setores do mundo judiciário. Foi conhecido e falado pela opinião pública em geral. E, como era previsível, preencheu a quase totalidade das conversas nos Tribunais durante dias e dias.
Não pretendo aqui discutir o dito ensaio, apontar os aspetos negativos e/ou positivos, propor ou sugerir quaisquer alterações. Não é este o lugar próprio, nem o espaço o permitiria.
Quero apenas anotar a forma como esta “proposta/projeto/ensaio” foi vista e recebida nos Tribunais, por aqueles que – além de outros – certamente deverão ter uma palavra a dizer a tal propósito: os juízes.
A expectativa era grande já que se anunciava uma reforma total do sistema instituído. E, nesse aspeto, ninguém ficou desiludido: as novidades imperam e o mundo, tal como o conhecemos, muda!
Primeiro choque: lugar para menos 300 juízes que, aparentemente, ficarão, em regime de itinerância, adstritos à resolução de pendências. Está-se com isto a dizer que existem 300 juízes a mais? 300 Juízes que, sem a existência de pendências acumuladas, não farão faltam? Isto na atual conjuntura económica, financeira e social que o País atravessa? Num momento em que os despedimentos se sucedem, em que as dívidas por pagar se acumulam, em que os pais não têm dinheiro para pagar pensões de alimentos, em que a tendência é a do aumento da taxa de criminalidade? Tudo isto, claro, com o consequente e certo aumento de entrada das ações em todo o tipo de Tribunais. E, o que é isso de pendências acumuladas? Processos atrasados, que se arrastam há vários anos nos Tribunais – e neste caso, qual o limite temporal – ou processos já entrados, independentemente do tempo decorrido, ao momento em que o novo sistema comece a funcionar? Mas, sendo esta última situação, então os juízes não destinados à resolução de pendências existentes vão ficar exclusivamente com os processos novos? E o subaproveitamento de trabalho daí decorrente? Mas resta a itinerância. O que é isso? Os juízes nessa situação vão, todos eles, percorrer os Tribunais da Comarca – Distrito – ou vão ser distribuídos pelos vários Tribunais da mesma Comarca, com alguma estabilidade. Mas se assim é, porque se fala em itinerância?
E, refere o estudo/ensaio que os juízes colocados numa Comarca – cuja área de competência passa a corresponder à do Distrito – poderão trabalhar a qualquer momento em qualquer ponto dessa Comarca. Veja-se o caso da Projetada Comarca de Setúbal, cuja área de estende de Almada a Sines. Um juiz colocado em Setúbal, a exercer aí funções, poderá ser deslocado para Sines? A qualquer momento? Em que moldes? É impossível um juiz não se preocupar com tal situação. Não é irrelevante o local onde se trabalha. O juiz tem, à semelhança de qualquer outro cidadão, família e a sua vida organizada em termos permanentes numa determinada zona geográfica que, decididamente, não corresponde a todo um distrito. A sua estabilidade e organização familiar está em causa. Pode ser deslocalizado, de um dia para o outro, por tempo mais ou menos prolongado, de uma ponta do Distrito para a outra?
Outra questão se coloca: são os juízes que se deslocam da sede onde se encontram ao local dos factos, para realizar os julgamentos/diligências, ou é a população que vai à sede? A solução não é indiferente. Veja-se por exemplo a situação do juiz de instrução a exercer funções em Setúbal que terá jurisdição na área geográfica que abrange hoje a Comarca do Montijo e que se estende até Sines. É ele que se desloca a Alcácer, Grândola, Santiago, Sines, Montijo, para realizar o primeiro interrogatório de arguido detido ou são os órgãos de polícia criminal que se deslocam a Setúbal? No caso da primeira opção é manifesto que um único juiz não pode assegurar todo o serviço. No caso da segunda, terão as polícias essa capacidade, designadamente em termos, humanos e financeiros?
Por último, mas talvez aquilo que mais preocupa os juízes: como se vão processar as colocações nas novas Comarcas? São extintos vários lugares e, como tal, muitos daqueles que há muitos anos trabalham no mesmo local, poderão ter que sair. Terão preferência nas colocações ou terão que voltar à incerteza dos primeiros anos de carreira?
São dúvidas, estas e muitas outras, aquelas que neste momento ocupam o espírito dos juízes. A incerteza no que respeita à sua vida profissional, e também pessoal e familiar, causam de forma evidente, grande preocupação e instabilidade.
Não sinto que os juízes estão contra a mudança, sabem que ela é necessária. Mas, o que querem certamente é que tudo seja devidamente pensado e equacionado.
Os estudos são isso mesmo, um mero estudo destinado a ser analisado, ponderado, corrigido e rectificado, as vezes que forem necessárias. É isso que se espera deste, que venha a reflectir as necessidades do País mas sem esquecer a regra básica de qualquer reforma: a sua ponderação rigorosa e exequibilidade!
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13.12.2012
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Carla Oliveira
Secretária da Direcção Regional Sul da ASJP
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Artigo de opinião publicado no portal SETÚBAL NA REDE
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