O Relatório Anual de Segurança Interna revela números
alarmantes: crimes de extorsão aumentaram mais de 25%, e o rapto, sequestro e
tomada de reféns mais de 22%. Mas o documento não diz tudo: ‘É um queijo suíço
que está cheio de não informação’, queixa-se um oficial da Polícia.
Os números não mentem, mas não dizem toda a verdade, pois há
muita informação que é omissa, dando azo a todo o tipo de especulações. Por
exemplo, a criminalidade grave, violenta, altamente organizada e complexa subiu
5,6%, tendo sido registadas mais de 14 mil participações. As causas e os
autores é que não aparecem no famoso Relatório Anual de Segurança Interna
(RASI), tornado público esta semana. Os crimes de extorsão registam uma subida
superior a 25%, e o rapto sequestro e tomada de reféns de 22%.
Mas nem tudo são notícias negativas, pois os crimes de homicídio
voluntário consumado, as violações e outros roubos, desceram, 7,2%, 4,8% e 4%,
respetivamente.
«O RASI é um documento mais político e ideológico do que
outra coisa qualquer. É um queijo suíço que está cheio de não informação. Diz
umas coisas, mas não diz outras, não diz tudo… O que seria importante era que o
RASI desse pistas, mas não dá. Ao não apontar nacionalidades, etnias, origens e
proveniências está a dificultar o trabalho dos polícias. É um relatório muito
omisso em muitos aspetos que podem ser essenciais para combater o crime e,
sobretudo, essa omissão pode conduzir a especulações que alimentam teorias de
conspiração e outras coisas do género, mas sobretudo dá azo a extremismos»,
explica ao Nascer do SOL um oficial da Polícia.
Outro dado curioso, para muitos dos polícias ouvidos, é que se
esconde a nacionalidade de quem comete crimes, mas o mesmo já não acontece com
a comunidade prisional. Em dezembro de 2023, 20% da população prisional era
estrangeira.
Não estigmatizar ninguém
Outro oficial vai ainda mais longe, tendo dito ao nosso jornal
há duas semanas: «Houve uma orientação no sentido de não se estigmatizar as
etnias e as nacionalidades, o que todos concordamos. Tentou-se criar uma
sintonia com a comunicação social para que não usasse a questão do cigano, do
turco, e por aí fora. Nessa altura, nós próprios, na Polícia, recebemos uma
orientação também no sentido de que quando se fizesse uma participação se devia
omitir determinados dados. Antigamente, o que nós púnhamos, por exemplo, se
fosse uma pessoa de etnia cigana, romena, russa, sul-africana, angolana,
indiana, ou o que fosse, dizíamo-lo. Agora a Polícia já não coloca as
características da pessoa, e tenta-se não se pôr a nacionalidade para não
chocar. Dessa forma como é que sabemos como prevenir? E como podemos contribuir
para a reinserção social se não sabemos quem são? Seria normal que o atual RASI
não desse pistas quanto à nacionalidade daqueles que cometem os crimes, mas
essa informação devia ser interna e colocada noutro relatório que serviria de
base para as diferentes forças policiais».
Os atores políticos vão fazer a leitura do RASI de acordo com a
sua ideologia, o que pode acicatar ainda mais os ânimos. «Dificilmente se pode
dizer se há um aumento de criminalidade ligado à imigração, mas isso vai ser
usado como arma de arremesso. Se a criminalidade violenta e os crimes de rapto
e sequestro aumentaram tanto, claro que a extrema-direita vai acusar a
imigração. Por isso, devia-se dar alguma explicação para não se fazerem
julgamentos sumários».
Uma enorme estupidez
«O crescimento da criminalidade devia obrigar os responsáveis
governamentais a alterar o funcionamento das forças policiais. Nós temos um
Relatório de Segurança Interna, mas não temos um Plano de Segurança Interna.
Isso é inconcebível. É uma estupidez. O que é ainda mais grave é o sentimento
de insegurança que isso pode criar, que é um fator psicológico, e que pode
prejudicar muito o turismo, tão importante para a nossa economia», explica
outra fonte policial, que defende mesmo uma mudança de paradigma. «É tempo de
avançar para uma Autoridade Nacional de Polícia que permita conjugar esforços
no terreno para combater o aumento da criminalidade. Agora que vai haver uma
mudança do secretário-geral do Sistema de Segurança Interna, seria uma boa
oportunidade para se fazerem as mudanças. Diz-se que será o atual diretor da
Polícia Judiciária que irá ocupar o cargo. Com a experiência que tem, seria bom
que se fizessem essas mudanças», acrescenta.
O famoso relatório merece mesmo muitas críticas das forças
policiais: «O RASI tem um problema complicado. Faz o traçado nacional, mas a
criminalidade em Portugal, às vezes, tem um rosto mais literal, o relatório
devia ter uma desmultiplicação que permitisse definir políticas públicas mais
locais, que houvesse RASI’s por grandes áreas, como por exemplo as áreas
metropolitanas de Lisboa e do Porto. É preciso começar a inovar».
Mas voltemos aos números. No que diz respeito à criminalidade
geral, diz o relatório que «o número total de participações registadas em 2023
pelos oito OPC (GNR, PSP, PJ, SEF, PM, ASAE, AT e PJM), foi de 371.995, mais
28.150 participações que no período homólogo de 2022 (+8,2%)».
Apesar das críticas, há quem aponte alguns méritos ao documento.
«Este relatório, apesar de tudo, tem mais informação do que os anteriores, mas
também põe a nu como é que um país tão pequenino tem tantas polícias, tanta
gente a trabalhar. Já que somos tantos, alguém tem que tentar conjugar todos
estes meios, juntamente com o Ministério Público».
Os extremismos realçados
«No âmbito do combate ao terrorismo, mantém-se o processo de
deteção, prevenção e investigação sobre os extremismos, ideológico violento de
esquerda e de direita, assim como de matriz islamista. Para além destes vetores,
têm surgido movimentos negacionistas antissistema, os quais poderão configurar
um potencial de violência. Estes movimentos, inspirados por teorias da
conspiração, desafiam as autoridades democraticamente eleitas, incitando à
desobediência civil e à agitação social», lê-se no relatório.
Mas há quem faça observações ao caráter ideológico do relatório.
«Fala da extrema-direita como se fosse crime, o que me parece um disparate. Não
é da competência deste trabalho fazer esse tipo de considerações», defende
outra fonte policial.
«No campo dos extremismos políticos, assistiu-se a um
agravamento da ameaça representada por esses setores, sobretudo no âmbito da
extrema-direita. Com efeito, após um período de estagnação, as organizações
tradicionais e os militantes dos setores neonazis e identitário retomaram a sua
atividade, promovendo ações de rua e outras iniciativas com propósitos
propagandísticos», lê-se.
Quanto à extrema-esquerda, o relatório diz: «Também o movimento
anarquista e autónomo retomou a atividade de rua após um período de estagnação,
associando-se a manifestações de massa em torno de causas transversais à
sociedade portuguesa, como o direito à habitação ou a melhoria das condições de
vida, imprimindo-lhes um cunho ideológico anticapitalista e recorrendo a um
modus operandi (realização de atos de vandalismo, provocações às Forças de
segurança) que visa, em última análise, mobilizar os demais participantes para
uma luta contra o sistema. No último trimestre de 2023, a causa palestiniana
também foi apoiada por estes setores, através da participação em manifestações,
mas sem registo de incidentes relevantes».
Os ambientalistas climáticos também merecem atenção. «No
extremismo de esquerda português, à semelhança de 2022, continua-se a assistir a
diversos apontamentos de expressão meramente anticapitalista, nomeadamente no
contexto da Plataforma Europeia Anticapitalista. O ativismo ambientalista de
natureza anticapitalista ocupou um espaço mediático exponencial a ser liderado
pelos dois principais movimentos ativistas de defesa do ambiente português,
CLIMÁXIMO e GREVECLIMÁtica ESTUDANTIL. Para além da anunciada mudança de
paradigma na ação direta e da assunção dos riscos inerentes à mesma, os
ativistas (proeminentemente na faixa etária entre os 19 e os 35? demonstraram
um planeamento e concertação no agendamento dos eventos que foram tendo lugar
no decurso de 2023».
Por fim, diga-se que o relatório faz um grande elogio à
segurança da Jornada Mundial da Juventude e que o outro grande desafio que as
Forças de Segurança enfrentaram seguiu-se ao ataque do Hamas a Israel.
Ah! O relatório diz que «em Portugal não existe nenhuma
organização ou grupo classificado como organização terrorista».
Jornal
I – 30.05.2024