Sunday, December 12

Injúria e difamação



A liberdade de imprensa é um critério de distinção entre regimes democráticos e ditatoriais. Porém, o direito de ser tratado pelos outros como um ser digno e avaliado com justiça é, também, uma questão de Democracia, pois interfere com a liberdade, a igualdade e a essencial dignidade da pessoa. A liberdade de imprensa pressupõe a boa-fé, a procura da verdade e o pluralismo de opiniões.

Não há, em absoluto, um direito de injuriar ou difamar, em nome da liberdade de expressão ou de informação. A lei penal portuguesa procura o equilíbrio entre a liberdade de imprensa e os direitos ao bom-nome, à reputação e à intimidade, salvaguardando o conteúdo essencial de todos os direitos. Em regra, a imputação de factos ofensivos da honra ou consideração de alguém constitui crime.

Na verdade, a imputação a alguém de factos ofensivos da honra ou consideração é uma injúria – quando dirigida à vítima – ou uma difamação – se for feita perante terceiros. A conduta só não é punível quando realizar interesses legítimos e, cumulativamente, a imputação for verdadeira ou, pelo menos, verídica (quando houver fundamento sério para, em boa-fé, ser considerada verdadeira).

Esta solução é equilibrada e justa, mas suscita algumas dificuldades. Em primeiro lugar, não basta invocar um interesse qualquer. É necessário que o interesse seja protegido pelo Direito e que a imputação constitua o meio adequado de o realizar. Em segundo lugar, o critério da veracidade não pode ser satisfeito com a mera invocação de uma opinião pública crédula e ávida de escândalos.

O critério imposto pela ponderação dos direitos fundamentais mede a veracidade da imputação pela existência de indícios objectivos do facto, apreciados, com boa-fé, por quem procura a verdade. A veracidade não pode ser justificada através de mecanismos de estigmatização, maledicência, intriga e boato. A justificação tem de se basear na racionalidade dos factos e na aparência de verdade.

Recentemente, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem divergiu do Supremo Tribunal de Justiça, que, em 2006, num processo cível, condenou um jornal e três jornalistas a pagar uma indemnização a um clube de futebol. O Tribunal Europeu considerou que, nesse caso, a liberdade de expressão devia prevalecer sobre o direito ao bom-nome, mas sublinhou que havia base factual da notícia.

Em suma, é certo que o direito de ser retratado pelos outros com justiça pode sofrer restrições, sempre dependentes da existência de indícios objectivos da veracidade dos factos. Mas também é verdade que a liberdade de emitir publicamente opiniões sobre qualquer pessoa tem como limite inultrapassável a objectividade e a racionalidade dos factos imputados e a boa-fé de quem os investiga e relata.

Fernanda Palma, Professora Catedrática de Direito Penal

Fonte: Correio da Manhã de 12.12.2010