Saturday, April 27

Os direitos adquiridos nos contratos das PPP



Nas últimas semanas a actividade governamental tem sido intensa. Realizou um Conselho de Ministros, pela madrugada fora, e no dia seguinte foi-nos apresentado um conjunto de decisões por um conjunto de ministros de que retirei, por junto, uma ou duas medidas com significado: uma a de "requalificar" o pagamento de duodécimos que já estavam em curso e a outra a de "renegociar" os contratos das parcerias público-privadas (PPP), com o objectivo de poupar mais uns poucos milhões de euros. Foi concretizada, entretanto, uma outra fase da remodelação em curso e foram tomadas, mais recentemente, decisões na área da agora redenominada "agenda para o crescimento". Algumas das propostas conhecidas merecem o nosso aplauso. Assim seja possível dar-lhes aplicação prática.
Mas de toda esta azáfama fiquei com a convicção de que no domínio da renegociação das ditas PPP seria necessária uma reflexão mais aprofundada, nomeadamente no que se refere ao que me tem parecido ser uma certa incompreensão dos "direitos adquiridos", na medida em que parece ser entendimento governamental, e não só, que este conceito deve ter aplicação exclusiva no âmbito destes contratos.
Vejamos! Os direitos adquiridos, com maior ou menor recorte e fundamento civilizacional, deram os primeiros passos na Grécia Antiga, desenvolveram-se na civilização romana e adquiriram as bases científicas e culturais segundo o paradigma do racionalismo com a Revolução Francesa, tendo sido alargados e aprofundados com a consolidação do Estado social.
Os direitos adquiridos são "o produto final de uma civilização avançada que se estruturou à volta da teoria do pacto social". (juiz- -conselheiro Noronha do Nascimento em discurso proferido em Janeiro de 2012).
Mas o direito, que é obra do homem e das suas circunstâncias, ao longo da história, contempla e consagra regras legitimadoras para o "rompimento" deste pacto social.
O direito português, que assegura a regra do pacta sunt servanda, determina também que o mesmo pode sofrer derrogações sempre que se verifiquem alterações supervenientes tidas como legitimadoras do não cumprimento.
Foi com fundamento nestas alterações supervenientes que alguns contratos entre o Estado e os cidadãos deixaram de ser cumpridos (temporariamente, é certo), ou seja, os direitos adquiridos a uma pensão ou reforma, a um período de férias remunerado, a um salário definido, a um subsídio de doença ou outro, ficaram "suspensos" quanto à sua aplicação por decisão unilateral do Estado.
E é de direitos adquiridos em sentido técnico de que falo, não é de expectativas juridicamente tuteladas.
Os cidadãos ficaram, assim, privados do cumprimento integral da prestação a que o Estado se havia vinculado através de contrato social firmado de forma livre e não condicionada.
Os portugueses aceitaram esta situação; compreenderam, na verdade, que as condições de emergência económica e financeira eram pressupostos válidos para, da sua parte, aceitarem as limitações decorrentes da alteração superveniente das circunstâncias.
Este princípio não foi, todavia, aplicado a todas as situações, pelo menos de que se tenha conhecimento.
Refiro-me aos contratos das PPP. Numa primeira fase parece ter sido negociada a diminuição de preços pela via da não realização de alguns trabalhos, assumindo o Estado a sua concretização. Tratou-se, pois, de um acerto bilateral entre as partes. Legitimo, naturalmente!
Mas este processo negocial vai ser "retomado" no sentido de ser alcançada uma nova poupança. Aplaudo, mas não compreendo esta decisão!
O outro sujeito desta relação contratual é titular de direitos adquiridos? Admito que sim. O que não compreendo é que a regra que legitimou a ruptura - temporária - dos contratos celebrados com os cidadãos não seja também apta a legitimar o mesmo procedimento no domínio destes contratos, na medida em que a rentabilidade financeira assegurada aos mesmos no tempo em que foram celebrados foi fundada em circunstâncias cuja alteração foi superveniente, a mim me parece evidente.
Do que escrevi, o que é que não compreenderam?...

CELESTE CARDONA

Fonte: Diário de Notícias de 25.04.2013