Saturday, June 30

Juiz ou Académico?

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Os juízes, ao longo da sua carreira, são alvo de inspecções, em regra de 4 em 4 anos, que avaliam o seu trabalho, quer qualitativa, quer quantitativamente.
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Os critérios de avaliação permitem ainda avaliar o juiz na sua relação pessoal com os outros sujeitos processuais, além de ser ponderado o seu percurso no que diz respeito à sua auto - valorização pessoal e profissional, por exemplo, o seu percurso académico.
É na conjugação destes factores e avaliando o resultado final que depois é classificado. É neste quadro que se revela justa a avaliação do percurso académico do juiz. Avaliar o percurso académico como factor autónomo de diferenciação entre juízes na sua graduação entre si para os Tribunais Superiores, sem o integrar previamente no resultado global do seu trabalho enquanto juiz, é um estímulo contraproducente: o juiz é estimulado não a julgar mais e melhor, que é o cerne do seu labor, mas a estudar mais em detrimento do exercício da sua função e, ainda por cima, pode beneficiar com isso. A Associação Sindical dos Juízes Portugueses tem o dever de ser a primeira a pugnar pela dignificação do trabalho do juiz, enquanto juiz.
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Pedro Meireles, Juiz de Direito
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Correio da Manhã de 30.06.2012

Que Juízes?


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Tendo tido o privilégio de percorrer a generalidade dos tribunais, alertámos para o indesejável novo arquétipo de juiz que se vem tentando impor.
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Veja-se o reforço da vertente teórica do ensino ministrado no CEJ. Ou a modelação da carreira do juiz a actividades não judiciárias, como a frequência de formações, a publicação de artigos, a obtenção de graus académicos e mesmo o desempenho de funções políticas. Tudo isso ressumando das despudoradas alterações que, em 2008, foram introduzidas no Estatuto dos Magistrados Judiciais, nomeadamente nos critérios de preferência para colocação em juízos de competência especializada e nas regras dos concursos para acesso aos tribunais superiores. Como era de esperar, saídos os resultados do concurso para os Tribunais da Relação, todos reclamam. Quem percorrer o rol dos que não foram promovidos fica abismado com os muitos magistrados de excelência que dele constam, preteridos porque nunca se dedicaram a actividades extra-judiciárias, limitando-se a cumprir a função de serem juízes. Indiferente a tudo isso, lá vai andando a ASJP, entretida e embalada nos seus belos pareceres sobre alterações legislativas, que alguém faz o favor de lhe ir encomendando.

.Araújo de Barros, Juiz Desembargador
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Correio da Manhã de 16.06.2012
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Wednesday, June 20

Estado desconhece número de criminosos reincidentes

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Numa altura em que o Governo quer mudar as leis penais, peritos alertam para o desconhecimento por parte do Estado das taxas de reincidência criminal, que medem a eficácia das medidas.
O Estado português não sabe quantos criminosos voltaram a reincidir, nem porquê, nem o seu perfil. Apesar de a reincidência ser uma agravante na escolha das penas, os juízes e os procuradores não têm acesso, em tempo útil, a toda a informação sobre os antecedentes criminais dos suspeitos detidos pelas polícias. Não há estudos nem contas sobre os custos da reincidência. Especialistas alertam para esta falha, quando o Governo quer alterar as leis penais. Conhecer a reincidência é fundamental para saber se as penas aplicadas produziram o objetivo principal: evitar que condenados voltem a cometer crimes. "É uma lacuna grave para o suporte de políticas e na ação do tribunais", diz o ex-ministro Laborinho Lúcio.
Governo não sabe quantas pessoas voltam ao crime
Peritos alertam para reformas penais feitas às cegas, sem estudos sobre reincidência
Os casos foram públicos: um violador condenado duas vezes saiu em liberdade condicional e tornou a violar. Recorreu e, em liberdade, tentou de novo cometer esse crime; um assaltante de bancos reincidente, condenado três vezes por mais de 50 roubos, escapou em quatro ocasiões da prisão, duas das quais durante saídas precárias que lhe foram concedidas, apesar dos antecedentes de fuga.
Ambas as situações são exemplos de uma das consequências para a segurança pública da falta de conhecimento por parte do Estado, de forma sustentada e atualizada, dos índices de reincidência criminal dos delinquentes e, em particular, da falta de acesso em tempo útil ao cadastro total destes, por parte de procuradores e de juízes. Essa é a realidade de Portugal.
Numa altura em que estão em cima da mesa novas propostas de alteração ao Código Penal e ao Código de Processo Penal, por parte do Governo, estas decisões são tomadas sem base científica e no meio da total ignorância quanto à eficácia das medidas tomadas. Que criminosos mais reincidem e que tipo de penas são mais eficazes? A pulseira eletrónica evita mais ou menos a reincidência que a prisão? Que resultados em concreto têm os programas de prevenção e reinserção social? De que prisões são os reclusos com maior taxa de reincidência e porquê? E quanto custa ao Estado a reincidência? Não há resposta a estas perguntas. Foi gasto dinheiro público na prisão (cada recluso custa, em média, 14 600 euros por ano), mas quando volta a reincidir, não só o dinheiro foi desbaratado, como a segurança não melhorou.
No Reino Unido – onde a redução do retorno ao crime é uma prioridade política (ver texto em baixo) – foi calculado em quase 9 mil milhões de euros por ano o custo da reincidência.
O Ministério da Justiça admitiu ao DN que "a informação sobre reincidência criminal resulta de um trabalho específico e pontual de estudo e de avaliação é datada e parcial, destinando- se a avaliações internas, uma vez que não se procede ao registo, em base de dados, desta variável". E, acrescenta, "as taxas de reincidência apresentam, por norma, valores estáveis e de longa duração". O último destes estudos, genérico, já tem cinco anos e fixou a taxa em 29%. Mas não é conhecido o perfil das reincidências. Em 2003, a Provedoria de Justiça fez uma avaliação profunda das prisões e apresentou uma taxa de reincidência de 51%.
O atual provedor de Justiça, Alfredo José de Sousa, sublinha que "a não reincidência, de quem já esteve preso, é um fator basilar na avaliação do sistema penitenciário e do seu sucesso no oferecimento de ferramentas a cada recluso para alcançar aquele fim".
O presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público lembra que para julgar em 48 horas, como propõe o Governo, é preciso "acesso mais célere ao registo criminal, principalmente dos estrangeiros, que nem sequer está informatizado". Rui Cardoso salienta ainda a "limitação" do registo criminal (só condenações transitadas em julgado) para ter o perfil do suspeito: "Desconhecemos as medidas de coação pendentes e cada polícia tem a sua base de dados, que não partilha."
Apesar da falta de dados, o Ministério da Justiça propõe que os criminosos deixem de ser obrigados a revelar os seus antecedentes. Juízes e procuradores só admitem essa hipótese com o acesso na hora a todos os cadastros.
7000 milhões de euros é o custo anual, estimado no Reino Unido, das reincidências criminais 14 600 euros é, em média, o custo anual de cada recluso no sistema prisional português Ninguém sabe qual a taxa de sucesso do sistema prisional na reabilitação dos condenados. Não há estatísticas que o revelem
Ingleses travam reincidentes
TRANSPARÊNCIA. Reduzir a reincidência criminal é atualmente uma prioridade política do Governo britânico. E o Executivo faz questão de informar os contribuintes sobre os resultados das suas opções de política criminal. No site do Ministério da Justiça as estatísticas de reincidência e sua caracterização estão online. "No âmbito da política de transparência , o MJ informa sobre o impacto que as suas decisões têm na sociedade, para que o público valorize o dinheiro gasto", disse ao DN o porta-voz do MJ britânico.
O acompanhamento das reincidências, cuja taxa se situa nos 26%, e o estudo dos seus motivos permitem, por exemplo, saber que reincidem mais os criminosos com penas até um ano do que os que foram obrigados a cumprir trabalhos ' forçados' nas comunidades. "Prender só não chega; é preciso que não reincidam. Senão é desbaratar dinheiro e a sociedade mantém-se insegura", diz Marian Fitzgerald, criminologista da Universidade de Kent.

Laborinho Lúcio, ex-ministro da Justiça

"Só se combate eficazmente o que se conhece"
Qual a importância de conhecer a reincidência criminal?
É indispensável em dois planos. O primeiro, no que toca à definição das políticas criminais. Por um lado, é o conhecimento daquela taxa que permite avaliar o resultado das medidas de política entretanto adotadas para combater o crime e a sua repetição pelo mesmo agente; por outro lado, é a partir desse conhecimento que é possível definir estratégias e objetivos concretos em sede de intervenção, seja no plano legislativo seja no das práticas ligadas à execução das penas. O segundo plano é aquele que toca já a intervenção judicial, nomeadamente em matéria de condenação criminal.
O que falha se esta avaliação não for conhecida?
Sem uma noção tão rigorosa quanto possível da taxa de reincidência, dificilmente será possível programar e definir políticas que, relacionadas com a matéria dos fins das penas, permitam intervir de modo a que a escolha destas e a sua respetiva medida se voltem para a redução da própria reincidência. Afinal, só pode combater-se eficazmente aquilo que se conhece bem.
Que mecanismos devia o Estado proporcionar aos juízes e aos procuradores para garantir que os antecedentes do suspeito são tidos em conta na medida de coação aplicadas?
Antes de mais, seria importante a elaboração e a disponibilização de estudos, quer quantitativos quer de investigação empírica, tendo como objeto a reincidência. Por outro lado, a disponibilização aos tribunais da informação sobre reincidência terá de ser necessariamente mais célere do que é sempre que se trata de registo criminal positivo. Finalmente, a vingar a proposta de alargamento do julgamento sumário a todos os crimes, desde que praticados em flagrante delito, a informação sobre a existência de reincidência é fundamental para que se decida sobre a continuação do julgamento, da sua suspensão, ou da remessa do processo para os meios comuns.
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Valentina Marcelino | Diário de Notícias | 20-06-2012
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Fonte: Revista digital IN VERBIS
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