Saturday, November 12

O DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO ADMINISTRATIVA CONDENATÓRIA EM PROCESSO CONTRA-ORDENACIONAL

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Tribunal Europeu dos Direitos do Homem:

- Oztürk c. Alemanha, acórdão de 21.02.1984, Série A n.º 73
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Tribunal Constitucional:- Acórdão n.º 304/88
- Acórdão n.º 339/2008
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Supremo Tribunal de Justiça:
- Assento n.º 1/2003
- Acórdão de 16.10.2002 (processo n.º 02P2534)
- Acórdão de 21.12.2006 (processo n.º 06P3201)
- Acórdão de 10.01.2007 (processo n.º 06P2829)
- Acórdão de 29.01.2007 (processo n.º 06P3202)
- Acórdão de 06.11.2008 (processo n.º 08P2804)

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Tribunal da Relação de Coimbra:
- Acórdão de 06.01.2010 (processo n.º 169/07.3 TBPCV.C1)
- Acórdão de 20.01.2010 (processo n.º 514/09.7 TBCBR.C1)
- Acórdão de 25.03.2010 (Colectânea de Jurisprudência, 2010, 2, 54)

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Tribunal da Relação de Évora:
- Acórdão de 08.06.2004 (processo n.º 1194/04-3)
- Acórdão de 15.06.2004 (processo n.º 378/04-1)
- Acórdão de 09.11.2004 (processo n.º 1688/04-3)
- Acórdão de 17.10.2006 (processo n.º 2194/06-1)
- Acórdão de 27.05.2008 (processo n.º 883/08-1)
- Acórdão de 17.03.2009 (processo n.º 2371/08-1)
- Acórdão de 03.12.2009 (processo n.º 2768/08.7 TBSTR.E1)

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Tribunal da Relação de Guimarães:
- Acórdão de 24.09.2007 (processo n.º 1403/07-1)
- Acórdão de 24.01.2008 (processo n.º 2419/07-1)
- Acórdão de 06.03.2008 (processo n.º 2688/07-2)

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Tribunal da Relação de Lisboa:
- Acórdão de 08.07.2004 (processo n.º 1714/2004-4)
- Acórdão de 17.11.2004 (processo n.º 7424/2004-4)
- Acórdão de 17.05.2006 (processo n.º 3362/2006-3)
- Acórdão de 16.05.2007 (processo n.º 1771/2007-4)
- Acórdão de 13.12.2007 (processo n.º 3734/2007-4)
- Acórdão de 02.04.2008 (processo n.º 10045/2007-4)
- Acórdão de 21.04.2009 (processo n.º 5354/2008-5)
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Tribunal da Relação do Porto:
- Acórdão de 27.02.2002 (processo n.º 0111558)
- Acórdão de 17.05.2004 (processo n.º 0346102)
- Acórdão de 20.12.2006 (processo n.º 0616652)
- Acórdão de 04.07.2007 (processo n.º 0711709)
- Acórdão de 22.10.2007 (processo n.º 0741672)
- Acórdão de 04.06.2008 (processo n.º 0842856)
- Acórdão de 11.03.2009 (processo n.º 0843225)
- Acórdão de 09.11.2009 (processo n.º 686/08.8 TTOAZ.P1)
- Acórdão de 30.11.2009 (processo n.º 942/08.5 TTBCL.P1)
- Acórdão de 24.02.2010 (processo n.º 10798/08.2 TBMAI.P1)
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Tribunal Central Administrativo do Sul:
- Acórdão de 10.11.2009 (processo n.º 02678/08)
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O DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO ADMINISTRATIVA CONDENATÓRIA EM PROCESSO CONTRA-ORDENACIONAL

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ANTÓNIO BEÇA PEREIRA, Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas Anotado, Almedina, 8.ª edição.
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FREDERICO COSTA PINTO, O ilícito de mera ordenação social e a erosão do princípio da subsidiariedade da intervenção penal, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 7, fascículo 1, páginas 7 e seguintes.
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GERMANO MARQUES DA SILVA, Curso de Processo Penal, volume III, Editorial Verbo, 1994.
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JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, Direito Processual Penal, 1.º volume (reimpressão), Coimbra Editora, 1984.
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JOSÉ LOBO MOUTINHO, Direito das Contra-Ordenações – Ensinar e Investigar, Universidade Católica, 2008.
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LUÍS GUILHERME CATARINO, Regulação e Supervisão dos Mercados de Instrumentos Financeiros – Fundamento e Limites do Governo e Jurisdição das Autoridades Independentes, Almedina, 2010.
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MANUEL FERREIRA ANTUNES, Reflexões sobre o Direito Contra-Ordenacional, SPB Editores, 1997.
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MANUEL SIMAS SANTOS e JORGE LOPES DE SOUSA, Contra-Ordenações – Anotações ao Regime Geral, Vislis Editores, 3.ª edição.
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MARQUES FERREIRA, “Meios de prova”, in Jornadas de Direito Processual Penal – O Novo Código de Processo Penal, Coimbra, 1991, páginas 219 e seguintes.
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NUNO LUMBRALES, Sobre o Conceito Material de Contra-Ordenação, Universidade Católica Editora, 2006.
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PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Universidade Católica Editora, 3.ª edição.
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RAUL SOARES DA VEIGA, Legalidade e oportunidade no Direito Sancionatório das Autoridades Reguladoras, in Direito Sancionatório das Autoridades Reguladoras, páginas 139 e seguintes.
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SÉRGIO POÇAS, Da sentença penal – fundamentação de facto, in Julgar, n.º 3, páginas 21 e seguintes.
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Friday, September 9

ESTADO PAGA RENDAS PARA UTILIZAR CADEIAS QUE JÁ VENDEU

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Há três anos, o Ministério da Justiça (MJ) vendeu, pelo menos, quatro cadeias. O dinheiro obtido na altura não chegou para construir nenhum presídio de dimensões iguais aos que foram alienados. Nenhuma nova obra se executou. Hoje, as verbas obtidas já não existem. As prisões vendidas continuam a funcionar, preenchidas quase a 100 por cento. A diferença é que actualmente é o próprio Estado quem paga o arrendamento para as utilizar.

As vendas dos estabelecimentos prisionais de Lisboa, Pinheiro da Cruz, Coimbra e Castelo Branco (as três primeiras são centrais e a última regional) são exemplos que o actual responsável pela gestão do património do MJ, o secretário de Estado Fernando Santo, não pretende ver repetidos. É que, dando apenas um exemplo, houve património (como o Estabelecimento Prisional de Lisboa) que foi vendido por uma verba (60 milhões de euros) que não chega sequer para edificar uma nova prisão com as mesmas características e lotação. “Por mim, nunca venderia qualquer cadeia ou outro tipo de património, a não ser que o valor obtido fosse sempre superior àquele a gastar numa nova construção”, disse o governante.
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Aumentar a capacidade
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Mesmo sem novas cadeias (a excepção será a futura prisão de Angra do Heroísmo, projectada pelo anterior executivo e cujo custo é de 25,5 milhões de euros), o MJ está empenhado em aumentar a capacidade do parque prisional (49 presídios em todo o país) em mais um milhar de lugares. Para já, é ponto assente que serão ampliados estabelecimentos como Alcoentre, Linhó, Viseu (São José do Campo) e Caxias. Em diversas das prisões que vão ser alvo de obras será utilizada mão-de-obra prisional.

Em declarações ao PÚBLICO o secretário de Estado da Administração Patrimonial e Equipamentos da Justiça revelou que vão ser iniciadas, muito em breve, negociações com particulares, mas também com a Estamo, a agência imobiliária do Estado responsável por dezenas de alienações de edifícios públicos, para que de algum modo possam ser revistos contratos de arrendamento (de cadeias, tribunais e outros imóveis).

“No final de 2010 o ministério [da Justiça] tinha uma dívida de 153 milhões de euros, o equivalente a cerca de um décimo do orçamento para 2011″, disse Fernando Santo, salientando que as falhas de tesouraria fizeram com que este ano, “em Julho, tivéssemos sérias dificuldades em pagar os vencimentos aos funcionários”.

A maior parte desse dinheiro em falta (os 153 milhões de euros referentes a Dezembro de 2010) é devido a entidades como a Estamo, os CTT, aos serviços de apoio judiciário, a diversas empresas privadas de limpeza e segurança. “Vamos iniciar conversações, das quais não posso neste momento dar pormenores, porque é importante tentar obter novas condições. Mas vamos igualmente requalificar as instalações que temos, nomeadamente de tribunais e estabelecimentos prisionais, porque é importante aproveitar e melhorar a utilização das áreas disponíveis”, referiu Fernando Santo.

A renegociação de contratos de arrendamento é considerada vital para o equilíbrio das contas na Justiça. Veja-se o caso do Campus da Justiça, em Lisboa. Actualmente o Estado paga, por ano e só para gestão do condomínio, 3,2 milhões de euros e as rendas atingem os 12,5 milhões de euros anuais. Além disso, os edifícios têm sido muito contestados pela maior parte dos utilizadores, que questionam a falta de espaço e também as condições de segurança, atendimento público e até de ligação funcional entre os vários serviços, ao ponto de haver correspondência remetida pelo correio para edifícios distantes poucas dezenas de metros).

“Actualmente o Ministério da Justiça possui, em todo o país, cerca de 390 contratos relativos a arrendamentos de instalações. Posso adiantar que dezenas destes terão de ser renegociados e que outras tantas situações terão, obrigatoriamente, de ser repensadas. É o caso dos inúmeros edifícios em zonas mais dispendiosas que funcionam apenas como arquivos. Esses serviços podem e devem ser deslocados para áreas mais baratas. Outra medida passa pela ocupação de áreas que, estando vazias, estão, no entanto, a ser pagas”, refere o secretário de Estado.
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Fonte: Público de 09.09.2011, via revista digital IN VERBIS
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Wednesday, August 17

Utilização de vídeos divide especialistas

Especialistas divididos sobre utilização de vídeos feitos por particulares em tribunal. Dois professores catedráticos defendem que imagens obtidas sem consentimento são prova proibida, mas um deles admite que a sua exclusão pode ser chocante em alguns casos.

Em pouco mais de uma semana, três vídeos trouxeram à luz do dia casos de violência que obrigaram as autoridades a reagir. Primeiro foram as imagens de uma adolescente a ser agredida com violência por outras duas, um filme que acabou na Internet. Uns dias mais tarde surgiu outro vídeo registado em Agosto passado.

Durante quatro minutos e 17 segundos, um jovem militar é agredido ao estalo, murro e pontapé por vários colegas, numa camarata da Escola de Fuzileiros. Um dia depois, a SIC divulga imagens de crianças a serem agredidas numa creche, que se verificou depois que estava ilegal. Todos os casos deram origem a inquéritos judiciais, mas a utilização dos vídeos como meio de prova em tribunal é muito controversa. Há quem entenda que a sua utilização é legítima e quem defenda que são prova proibida.

Germano Marques da Silva, advogado e professor catedrático de Direito Penal da Universidade Católica, diz não ter dúvidas de que os vídeos particulares feitos sem consentimento dos participantes são prova proibida. "O registo de imagens só pode ser feito com autorização prévia de um juiz ou com o consentimento dos visados", sustenta. O penalista admite apenas uma excepção. "O próprio filme só pode ser utilizado como prova do crime de gravações e fotografias ilícitas", defende.

Foi isso mesmo que aconteceu com o jovem que gravou no telemóvel a agressão de uma colega de turma a uma professora na Escola Secundária Carolina Michaêlis, no Porto, quando esta lhe tentava confiscar o telemóvel, em Março de 2008. O filme acabou na Internet, gerando grande controvérsia. "O vídeo estava apenso ao processo e foi usado durante o inquérito. Como a medida aplicada ao aluno que filmou - trabalho a favor da comunidade - foi aceite pelo mesmo, não houve julgamento nem foi necessária produção de prova", explica Manuel Santa, o procurador que acompanhou o caso.

Maria José Morgado, directora do Departamento de Investigação e Acção Penal de Lisboa, considera que os vídeos particulares podem ser utilizados como prova, quando interesses de valor superior estão em causa. "Quando há direitos em colisão, a Constituição consagra que prevalece o mais importante. Ora, o direito à vida e à integridade física sobrepõe-se ao direito à imagem", sustenta. E exemplifica: "Se tivéssemos a imagem de um homicídio e não a pudéssemos utilizar seria um absurdo". A magistrada lembra que no recente caso do vídeo que mostra uma adolescente a ser agredida com violência por outras duas na zona de Benfica, em Lisboa, o vídeo foi apresentado como prova e validado pelo juiz de instrução, que decretou medidas de coacção privativas da liberdade para alguns dos jovens envolvidos.

Manuel Costa Andrade, professor catedrático de Direito Penal da Universidade de Coimbra, discorda. "Ninguém pode fotografar ou filmar ninguém sem o seu consentimento. A lei diz que as gravações obtidas sem consentimento são ilícitas", realça. Quanto ao conflito de direitos aqui existente, o docente defende que ele acontece "não entre o direito à imagem e a integridade física (que já foi lesada), mas entre o direito à imagem e a perseguição criminal". E remata: "Ora, nestes casos, por expressa determinação da lei, o direito à imagem prevalece".

Recuar à ditadura
Germano Marques da Silva considera perigoso a aceitação destas imagens. "Esquecemo-nos que demorámos décadas a conquistar determinados direitos, como o direito à imagem e à privacidade. Admitir a gravação de imagens e conversas ou fotografias sem autorização dos próprios é recuar ao tempo do Salazar." O professor universitário admite que em algumas situações a exclusão deste tipo de prova "é chocante", mas acredita que esse é o custo da democracia. "É uma questão de opção: ou queremos uma sociedade regida por valores fundamentais da democracia ou queremos uma sociedade securitária e policial."

Germano Marques da Silva lembra que as provas proibidas surgiram devido, em parte, aos excessos da polícia. "As garantias que existem são gerais e abstractas, com o objectivo de proteger as pessoas", afirma, admitindo que, por vezes, aplicadas a casos concretos, "arrepiam".

Costa Andrade admite que os vídeos possam ser utilizados como notícia de um crime, podendo as autoridades depois procurar outras provas. Opinião contrária tem Germano Marques da Silva: "Não posso partir de uma prova proibida para buscar outros meios de prova."

Maia Costa, juiz do Supremo Tribunal de Justiça, não vê qualquer obstáculo na utilização de vídeos particulares como meio de prova, essencialmente quando o mesmo é gravado no espaço público - o que exclui, na sua opinião, qualquer intromissão na vida privada. "O princípio geral é o de que todas as provas são permitidas a não ser que sejam prova proibida e os vídeos feitos por particulares no espaço público não creio que façam parte desse grupo", diz. O magistrado acrescenta que, tratando-se de um normal meio de prova, o vídeo vai ser livremente avaliado pelo juiz do caso, em conjunto com a restante prova.             

Jornalista: Mariana Oliveira
 
Publicado no Público de 08.06.2011
 
Fonte: Revista IN VERBIS
 
 
 

Vídeos, gravações e prova proibida


Porque a questão está na ordem do dia e tem interesse público, importa fazer três simples perguntas: os vídeos particulares colocados nas redes sociais, com cenas graves de violação gratuita, entre jovens, têm ou não validade jurídico-penal? Valem ou não como prova em processo penal, mesmo recolhidos sem o consentimento do visado? Ou são nulos por constituírem prova proibida?

Nos termos da lei, são consideradas nulas as provas obtidas mediante tortura, coacção, com ofensa da integridade física ou moral das pessoas e, ainda, aquelas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular. Na primeira previsão fulmina-se a prova com nulidade absoluta; na segunda hipótese a nulidade é relativa, podendo o titular do direito violado sanar o vício, consentido a gravação ex post facto.

As formas por meio das quais o Processo Penal se manifesta em sociedade têm sofrido desenvolvimentos ao longo da história, decorrentes das condições sociais, políticas e religiosas de cada época.

Não faz sentido continuarmos a viver os traumas impostos pelo período negro da ditadura, em que não existia um verdadeiro Estado de Direito nem separação de poderes e em que grande parte da prova era recolhida sob tortura ou coacção, com desprezo pelos direitos e liberdades das pessoas. Por isso, justificava-se a sua proibição. A democracia e os seus valores vieram para ficar e estão consolidados.

A justiça e os juízes estão impregnados dessa ética de valores, no respeito pela pessoa humana e pelo equilíbrio dos princípios constitucionais. Não há que ter medo. O caminho é de um processo penal de verdade, materializado num sistema de prova livre e não num positivismo ou formalismo bacoco que tem sido o causador do estado comatoso em que se encontra a justiça criminal. O juiz deve gozar de uma folga de livre arbítrio na validação da prova, sendo este um risco que as democracias civilizadas têm de correr. Bem sei que a descoberta da verdade também não é um valor absoluto. Só vale a verdade obtida de forma processualmente válida.

A validade da prova e as suas consequências não podem ficar ao sabor de teorias académicas nem amarradas a velhos e impeditivos preconceitos constitucionais. A Constituição não pode ser um empecilho à verdade e à realização da justiça. Não faz sentido falar de prova proibida quando um vídeo é gravado no espaço público, sendo um meio normal de prova.

Nestas condições, esta prova não faz parte do grupo de prova proibida. Por isso, o vídeo particular foi apresentado como prova e validado pelo juiz de instrução que decretou as medidas de coacção, não existindo qualquer obstáculo à sua utilização como meio de prova, porque foi gravado no espaço público, o que exclui qualquer intromissão na vida privada. Não validar essa prova única, num crime grave, e deixar a vítima desprotegida, seria um absurdo e a negação de um processo penal moderno ao serviço da paz e da ordem social.

Rui Rangel

Publicado no Correio da Manhã de 09.06.2011

Fonte: Revista IN VERBIS


Thursday, February 3

Fundamentalismo justiceiro


O Correio da Manhã lançou uma petição visando a criação de um novo crime de enriquecimento ilícito. A iniciativa visa punir com prisão de um a cinco anos os titulares de cargos políticos que, «durante o período de exercício das suas funções ou nos três anos seguintes à respectiva cessação», adquiram «quaisquer bens cujo valor esteja em manifesta desproporção com o seu rendimento declarado» (no IRS) e com a declaração do património apresentada no Tribunal Constitucional. Segundo a proposta desse jornal, os políticos não seriam punidos se provassem a proveniência lícita dos bens.

Em bom rigor, não se trata de um novo crime mas apenas de um expediente processual em que se presume como ilícita a proveniência daqueles bens e se obrigam os visados a provar a sua origem lícita. Os factos integradores da pretensa ilicitude (corrupção, tráficos, furtos, etc.) já não precisariam de ser provados pela acusação, devendo, ao contrário, os factos integradores da licitude ser provados pelos suspeitos. A justiça já não teria de provar a desonestidade dos acusados, estes é que teriam de demonstrar a sua honestidade.

Embora previsto apenas para os políticos, é de admitir, porém, que o expediente rapidamente seria alargado a outras pessoas putativamente capazes de «enriquecer ilicitamente» tais como gestores públicos, militares, magistrados (por que não?!) e, em geral, funcionários públicos e equiparados, acarretando, inevitavelmente, a institucionalização da devassa na vida pública e a generalização da delação na sociedade.

Não é de espantar que essa insólita iniciativa do CM tenha sido subscrita por vários juízes e procuradores, dado o sentimento de amor/ódio que certos sectores da magistratura sempre tiveram para com os titulares de cargos políticos, embora com uma especificidade bem portuguesa: o ódio é dirigido aos políticos do regime democrático e o amor era (sempre foi) reservado aos políticos das ditaduras (atente-se na dedicação com que as magistraturas em geral serviram o Estado Novo).

Não é de estranhar ainda o facto de ela ser também subscrita por alguns polícias e alguns jornalistas, pois é notória a promiscuidade existente entre eles. Basta ver as sistemáticas violações do segredo de justiça destinadas a obter na comunicação social aquilo que certos investigadores não conseguem nos processos: a condenação dos suspeitos. Os maus polícias sempre parasitaram os jornalistas sem ética e estes sempre privilegiaram aqueles, pois é mais fácil transformar em notícia as opiniões de polícias ou magistrados frustrados do que procurar a verdade através de investigações jornalísticas autónomas.

Não é de admirar, até, que alguns advogados mediáticos subscrevam a petição (para inverter o ónus da prova em direito penal), pois, se atentarmos bem, não passam de pessoas complexadas por terem falhado as carreiras políticas que tentaram.

O que causa estupefacção é a circunstância de políticos, alguns deles sérios, assinarem uma petição que visa proceder a uma subversão dos princípios da administração da justiça num estado de direito e que, no limite, ameaça os alicerces do próprio estado democrático. Obrigar todos os titulares de cargos políticos a justificar os seus bens perante polícias e magistrados (que nem sequer declaram os seus patrimónios ao TC) só pode provir de pessoas que não compreendem bem a essência da democracia com as suas virtudes e os seus defeitos. Ver esses políticos e alguns magistrados atrelados aos espasmos irracionais e antidemocráticos de um tablóide sensacionalista não pode deixar de constituir um sério motivo de preocupação.

Em vez de defenderem com firmeza os princípios de um processo penal democrático, tributário dos valores da ilustração, da modernidade e do racionalismo, acabam por ceder a impulsos irracionais, obscurantistas e antidemocráticos, aparentemente, em favor de uma eficácia da justiça que nunca lograria realização.

Salvaguardando as devidas proporções é bom lembrar que algumas das grandes tragédias da humanidade começaram em nome de elevados desígnios colectivos; que algumas das piores formas de servidão e de alienação começaram sob o entusiasmo inebriante de ideologias da libertação; que as maiores ofensas à dignidade humana foram perpetradas por religiões que proclamavam o amor ao próximo; e que as piores injustiças foram sempre feitas em nome da perfeição da justiça.

Ignorar ou subvalorizar esses ensinamentos é o primeiro passo para alimentar novos fundamentalismos, o mais perigoso dos quais é, hoje, o fundamentalismo justiceiro.

António Marinho e Pinto

Jornal de Notícias de 30.01.2011