Saturday, July 26

A verdadeira questão cigana

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Os ciganos são a derradeira cultura intrinsecamente nómada do mundo ocidental. Esse nomadismo, mais do que outras expressões sociais e culturais, define o essencial do antagonismo com a nossa sociedade sedentária, regulada e democrática. A generalidade dos ciganos recusa o nosso modelo de sociedade vivendo nas suas margens.
Os ciganos são a derradeira cultura intrinsecamente nómada do mundo ocidental. Esse nomadismo, mais do que outras expressões sociais e culturais, define o essencial do antagonismo com a nossa sociedade sedentária, regulada e democrática. A generalidade dos ciganos recusa o nosso modelo de sociedade vivendo nas suas margens. Os conflitos são por isso evidentes e constantes. Desde logo nos aspectos sociais. Ao contrário do que tantos proclamam e ainda mais gostariam de ver realizado a maioria dos ciganos não se quer de todo integrar. Pontualmente aproveitam os benefícios dos esforços por parte dos agentes da nossa sociedade, casas dos autarcas, apoios do Estado e outras benesses em nome da civilização, mas fazem-no de forma claramente oportunista e sempre temporária.
Nesse domínio basta citar três exemplos. A recusa em enviar as crianças para a escola; a rejeição da plena cidadania; o tratamento discriminatório das mulheres. Depois de muito programa e tanta boa vontade, nenhum destes objectivos integradores, ensino, participação social e igualdade sexual, resultou. A cultura cigana continua a ser anti-conhecimento; socialmente marginal e radicalmente patriarcal e machista.
Outro ponto de forte conflito diz respeito a um modo de vida e uma economia que assentam sobretudo na marginalidade e na ilegalidade face às leis vigentes. Os ciganos não se integram no nosso modelo económico, raramente legalizam empresas e actividades, praticamente não pagam impostos, negoceiam de preferência em dinheiro vivo e acima de tudo procuram os nichos da chamada economia paralela, contrafacção, recepção e comércio de produtos roubados, e, claro está, drogas, contrabandos e tudo o que circula à margem dos circuitos legais.
Tudo isto não seria possível sem um forte sentido comunitário e uma prática de segregação de perfil étnico e cultural. Nós, os "gadjos", ou seja os não ciganos, somos objectivamente os outros, o outro mundo com quem se trafica mas não se mistura. O casamento de ciganas com outras etnias, e desde logo com o homem branco, é frontalmente combatido e por vezes de forma violenta. Mantendo-se aliás ainda dominante o casamento negociado e sem opção da mulher.
É claro que uma tal recusa do nosso modo de vida, que consideramos ser o mais avançado e civilizado, não deixa de despertar alguma admiração. Não existe na nossa sociedade nenhum movimento social mais adverso às ideias dominantes, nem nenhuma forma de resistência colectiva mais resiliente.
É por exemplo absolutamente surpreendente, para nós, que face a um conflito local algumas dezenas de famílias ciganas tenham abandonado as suas casas e optado por ir literalmente dormir para a rua. Trata-se de um acto impensável no nosso contexto social. Nenhuma comunidade não-cigana, mesmo de pobres, o faria alguma vez.
A questão que se põe é portanto saber o que, do ponto de vista da nossa sociedade, se deve fazer. Aceita-se a diferença cultural e comportamentos contrários a importantes conquistas civilizacionais ou pelo contrário tudo se deve fazer para integrar, o que significa na prática desmantelar essa cultura autónoma e distinta?
Ou seja, e recorrendo à terminologia em voga, integração ou multiculturalismo?
A sociedade liberal e aberta tende a preferir esta última opção. Mas frequentemente confunde-se o direito à diferença com a expressão de actos retrógrados inaceitáveis para a nossa civilização. Pode aceitar-se condenar uma criança à ignorância? Pode aceitar-se um tratamento sub-humano das mulheres? Pode permitir-se a uns a prática de crimes que a outros se condena?
Para mim a resposta é simples. Todos nos devemos bater pela diversidade cultural porque ela é produtiva e socialmente benéfica, mas não podemos, em momento algum, abdicar de importantes conquistas nem permitir retrocessos civilizacionais. E claramente a cultura cigana representa um retrocesso de perfil medieval que deve ser combatido, tal como o são por exemplo a expressão de ideologias fascistas, opressivas e humanamente degradantes. Não há pois volta a dar, nem romantismo que resista a uma tal evidência.
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Leonel Moura, no Jornal de Negócios de 25 de Julho de 2008
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